As informações
sobre os casos de antraz na Flórida e em Nova York voltaram a
renovar as atenções quanto ao bioterror os riscos
e perigos postos por agentes biológicos. Dos Estados Unidos à
Índia, os governos estão em alto estado de alerta. Até
mesmo a Organização Mundial da Saúde emitiu boletins
de advertência. Americanos e europeus têm estocado máscaras
anti-gás e antibióticos, e imagens de policiais e investigadores
em uniformes de proteção contra os perigos biológicos
já começaram a aparecer nas primeiras páginas de
jornais e revistas.
O pânico e o medo espalhados pelos riscos de ataques biológicos
no período pós-11 de setembro são muito diferentes
da complacência que se verificava anteriormente, mesmo se a ameaça
à saúde pública e ao ambiente a partir de agentes
biológicos perigosos não seja nova. Se devemos responder
de modo adequado e consistente ao bioterror, então precisamos
levar em conta duas questões básicas. Em primeiro lugar,
os agentes biológicos infecciosos causam doenças e matam,
independentemente de quem os espalha e de como eles são difundidos.
A paranóia atual se origina do medo que eles possam cair nas
mãos de terroristas.
Todavia, se os terroristas podem obter esses agentes é porque
eles estão disponíveis. E eles constituem um perigo mesmo
se não estiverem nas mãos de terroristas. Como Vaclav
Havel, Presidente da República Tcheca, disse em seu discurso
de abertura do Fórum 2000, em Praga, no dia 14 de outubro: "Bin
Laden não inventou os agentes bacteriológicos". Eles
foram inventados pelos departamentos de defesa ou pelos laboratórios
das corporações. O antraz tem sido parte da escalada da
guerra biológica promovida pelos mesmos estados que hoje se preocupam
com bioterrorismo. E a engenharia genética de organismos biológicos,
tanto para a guerra quanto para o uso em alimentos e na agricultura,
está criando novos perigos de ordem biológica, sejam eles
intencionais ou não-intencionais. Em segundo lugar, é
um fato plenamente reconhecido de que o fortalecimento dos sistemas
públicos de saúde é a única resposta contra
o bioterrorismo. Entretanto, justamente quando mais se precisa de sistemas
de informações de saúde pública, eles estão
sendo desmantelados, em consequência das pressões a favor
da privatização e da liberalização do comércio.
O bioterrorismo deveria ajudar os governos a reconhecerem de que precisamos
desesperadamente de uma forte regulamentação sobre a biosegurança
e os sistemas públicos de saúde.
O movimento dos cidadãos globais e o movimento dos cientistas
preocupados com a biosegurança têm alertado os Governos
quanto aos riscos ecológicos e de saúde provocados pela
engenharia genética e, portanto, do imperativo de testarem, avaliarem
e regularem o lançamento de organismos geneticamente modificados
(OGMs) no meio-ambiente. O conflito básico com relação
à necessidade de se avaliarem os OGMs quanto aos seus perigos
de ordem biológica estava no centro das negociações
que se estenderam por uma década, sob a égide da Convenção
das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e
que foram concluídas, finalmente, em fevereiro de 2000, em Montréal,
no Protocolo sobre Biosegurança.
Há duas preocupações principais com relação
aos riscos potenciais de perigos de ordem biológica a partir
dos OGMs. Primeiramente, os vetores usados para a introdução
de genes de um organismo para outro, com o objetivo de se produzir um
OGM, são agentes biológicos altamente infecciosos e virulentos.
De fato, é justamente sua natureza infecciosa que os torna úteis
como vetores para introduzir genes alienígenas em organismos
biológicos. Os riscos do uso de vetores virulentos na engenharia
de novas formas de vida ainda não foram devidamente avaliados.
E o seu uso pelo bioterrorismo se torna mais fácil, à
medida em que esses vetores são espalhados comercialmente no
mundo todo.
Em segundo lugar, como os OGMs são organismos novos, que não
existiam na natureza, o seu impacto no ambiente e na saúde humana
é ainda desconhecido. A ignorância quanto a esse impacto
está sendo tratada como prova de segurança, o que constitui
uma abordagem totalmente anti-científica. Ela tem sido definida
como a abordagem do "não olhe, não veja" com
relação à biosegurança.
A guerra biológica ou o bioterrorismo é o uso deliberado
de organismos vivos para matar pessoas. Quando as políticas econômicas
baseadas na liberalização e globalização
do comércio, deliberadamente espalham doenças fatais e
infecciosas tais como a AIDS, a TB e a malária, como resultado
do desmantelamento dos sistemas médicos e de saúde, essas
políticas também se tornam instrumentos de bioterror.
Esse é o modo como grupos de cidadãos têm se organizado
em todo o mundo, contra os Acordos TRIPS (Trade Related Intellectual
Property Rights Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio) e GATS (General Agreement on Trade and Services
Acordo Geral em Comércio e Serviços) da Organização
Mundial do Comércio. Os TRIPS impõem patentes e monopólios
para remédios e medicamentos, colocando-os fora do alcance das
populações pobres.
Por exemplo, os remédios contra a AIDS, que custam US$ 200 sem
patentes, custam US$ 20.000 com as patentes. Os TRIPS e as patentes
de remédios se tornam verdadeiras receitas para a disseminação
de doença e morte, porque elas colocam a cura fora do alcance
dos pobres. De modo similar, a privatização dos sistemas
de saúde, assim como imposto pelo Banco Mundial, sob os Programas
de Ajuste Estrutural (PAE), e também propostos pelo GATS, propagam
doenças infecciosas porque foram suprimidos e desmantelados os
sistemas de saúde pública decentralizados e de baixo custo.
Essas também são formas de bioterror. Elas são
diferentes dos atos praticados por terroristas somente porque são
perpetradas pelos poderosos, e não pelos marginalizados e excluídos,
e são cometidas pelo fanatismo da ideologia de livre mercado,
e não pelas ideologias religiosas fundamentalistas. Mas em termos
do seu impacto, são a mesma coisa. Elas matam espécies
e pessoas inocentes, espalhando a doença.
Parar a difusão do bioterror em todos esses níveis requer
acabar com a proliferação de tecnologias que criam organismos
biológicos potencialmente perigosos. Isso também requer
que se pare com a proliferação de políticas econômicas
e de comércio que estão desfalcando os sistemas públicos
de saúde, difundindo doenças infecciosas e tornando as
sociedades mais vulneráveis ao bioterrorismo.
Vandana Shiva é Diretora do Research Foundation for Science,
Technology and Ecology, em Nova Déli.
The
Hindu (New Delhi)
October 19, 2001
Bioterror and biosafety
By Vandana Shiva
The reports of anthrax cases in Florida and New York have put a renewed
focus on bioterror - the risks and hazards posed by biological agents.
From the U.S. to India, Governments are on high alert. Even the World
Health Organisation has issued warnings. Americans and Europeans have
been stockpiling gas masks and antibiotics, and images of policemen
and investigators in biohazard suits have started to make front-page
appearances in newspapers and magazines.
The panic and fear being spread about biohazards in the post-September
11 period is so different from the complacency earlier, even though
the threat to public health and the environment from hazardous biological
agents is not new. If we have to respond adequately and consistently
to bioterror, we need to take two basic issues into account. Firstly,
infective biological agents cause disease and kill, irrespective of
who spreads them and how they spread. The current paranoia arises from
the fear that they could get into terrorist hands.
However, terrorists can get them because they are around. And they pose
hazards even if they are not in terrorist hands. As Vaclav Havel, President
of the Czech Republic, said in his opening remarks of Forum 2000 in
Prague on 14th October, "Bin Laden did not invent bacterial agents".
They were invented in defence or corporate labs. Anthrax has been part
of the ascend of biological warfare of the very states which are today
worried about bioterrorism. And genetic engineering of biological organisms,
both for warfare and food and agriculture, is creating new biohazards,
both intended and unintended. Secondly, it is fully recognised that
stronger public health systems is the only response to bioterrorism.
However, precisely at a time when public health reports are needed most,
they are being dismantled under privatisation and trade liberalisation
pressures. Bioterrorism should help governments recognise that we desperately
need strong biosafety regulation and public health systems.
The global citizens movement and the movement of concerned scientists
for biosafety have been alerting Governments to the ecological and health
risks of genetic engineering and therefore the imperative to test, assess
and regulate the release of genetically modified organisms (GMOs) into
the environment. This basic conflict over the need to assess GMOs for
biohazards was at the heart of negotiations that stretched over a decade
under the aegis of the United Nations Convention on Biological Diversity
and were finally concluded in February 2000 in Montreal on the Protocol
on Biosafety.
There are two major concerns for potential risks of biohazards from
GMOs. Firstly, the vectors used for introducing genes from one organism
to another to make a GMO are highly infectious and virulent biological
agents. It is, in fact, their infectious nature which makes them useful
as vectors to introduce alien genes into biological organisms. The risks
of the use of virulent vectors for engineering novel life forms have
not been assessed. And their use for bioterrorism becomes easier as
they spread commercially around the world.
Secondly, since GMOs are novel organisms which have not existed in nature,
their impact on the environment and on human health is not known. Ignorance
of the impact is being treated as proof of safety, a totally unscientific
approach. This has been called a "don't look, don't see" approach
to biosafety.
Biowarfare or bioterrorism is the deliberate use of living organisms
to kill people. When economic policies based on trade liberalisation
and globalisation deliberately spread fatal and infectious diseases
such as AIDS, TB and malaria, by dismantling health and medical systems,
they too become instruments of bioterror. This is the way citizens groups
have organised worldwide against the TRIPS (Trade Related Intellectual
Property Rights) Agreement and GATS (General Agreement on Trade in Services)
of the WTO. TRIPS imposes patents and monopolies on drugs, taking essential
medicines beyond the reach of the poor.
For example, AIDS medicine, which costs $200 without patents, costs
$20,000 with patents. TRIPS and patents on medicines become recipes
for spreading disease and death because they take cure beyond people's
reach. Similarly, privatisation of health systems as imposed by the
World Bank under SAPS (Structural Adjustment Programmes) and also proposed
in GATS, spreads infectious diseases because low cost, decentralised
public health systems are withdrawn and dismantled. These are also forms
of bioterror. They are different from the acts of terrorists only because
they are perpetrated by the powerful, not the marginalised and the excluded
and they are committed for the fanaticism of the free market ideology,
not fundamentalist religious ideologies. But in impact they are the
same. They kill innocent people and species by spreading disease.
Stopping the spread of bioterror at all these levels requires stopping
the proliferation of technologies which create potentially hazardous
biological organisms. It also requires stopping the proliferation of
economic and trade policies which are crippling public health systems,
spreading infectious diseases and leaving societies more vulnerable
to bioterrorism.
Vandana Shiva is Director, Research Foundation for Science, Technology
and Ecology, New Delhi.
(The writer
is Director, Research Foundation for Science, Technology and
Ecology, New Delhi).
Envie
um comentário sobre este artigo
|