A lógica
analítica predomina nos EUA. Percebe folhas e galhos, mas não
a árvore e, muito menos, a floresta. Ao contrário da lógica
dialética, ela encara o texto fora do contexto e rege, por exemplo,
as políticas monetaristas do FMI, insensíveis aos problemas
sociais.
Por isso, não surpreende que a lógica analítica
acredite que John Kennedy foi assassinado pela loucura de Lee Oswald;
as 168 vítimas da explosão de um prédio em Oklahoma,
mortas pelo terror ianque de McVeigh; e os atentados de 11 de setembro
fruto da mente insandecida do Osama Bin Laden.
A lógica analítica é tão contraditória
quanto a chuva de bombas e alimentos que desaba sobre o Afeganistão.
Petardos e pães; morte e vida. Desde as tentações
de Jesus no deserto da Judéia, nas proximidades de Jericó,
Deus e o diabo não andavam tão próximos.
Nos dois primeiros dias de guerra, os EUA gastaram US$ 22 bilhões
em munições. O que equivale ao PIB do Afeganistão.
Um míssel Tomahawk custa US$ 1 milhão. Para os jovens
soldados, que atiram como confetes o que vale muito mais do que haverão
de acumular em todos os anos de trabalho, a morte possui cotação
superior à da vida. E o inimigo é virtual, já que
não vêem vítimas e alvos atingidos.
No Ocidente, poucos viram as fotos e os vídeos retratando a morte
de 150 mil iraquianos atingidos pelos mísseis de 1991. Do ponto
de vista psicológico, a síndrome da guerra asséptica
induz ex-combatentes a descarregarem seus fuzis na lanchonete da esquina,
numa compensação paranóica de quem, enfim, se depara
com corpos e sangue!
Do colonialismo renascentista à Guerra Fria, a geopolítica
das nações metropolitanas raciocinava em termos de conquistas
territoriais. No século XVI, a Península Ibérica
apropriou-se das terras descobertas por Colombo e Cabral. No século
XIX, os EUA anexaram a seu território metade do México
e todo Porto Rico. No século XX, a Rússia enfeixou, na
União Soviética, dezenas de países, e o nazifascismo
subjugou todo o continente europeu, das fronteiras da Inglaterra às
da Rússia, com exceção da Suíça.
Agora, a globocolonização já não raciocina
em termos de expansão territorial, mas de controle total através
da tecnologia virtual. A psicopolítica sucede a geopolítica,
pois importa mais a sujeição de corações
e mentes que a anexação de áreas físicas.
Os EUA não solicitam à ONU licença para atacar
outros países que, supostamente, abrigam terroristas. Apenas
comunicam que o fará, relegando a ONU à categoria de um
clube de retórica.
A Casa Branca é, hoje, o governo do mundo. Suas decisões
independem de leis e aprovações formais. O direito internacional
reduz-se à lei do talião que, como constava num cartaz
pacifista exibido esses dias pela TV, na guerra de olho por olho todos
acabam cegos.
Os terroristas de 11 de setembro entregaram a Tio Sam, com seus vôos
camicases, as asas que o império americano precisava para submeter
todo o planeta à sua soberana vontade. Quem acredita que a Corte
Internacional de Haia haverá de punir eventuais crimes de guerra
cometidos pelos EUA no Afeganistão? Ficarão impunes como
Robert Hayes, agente terrorista da CIA no Brasil, que em 1976 recebeu
instruções para colocar bombas em três alvos paulistanos,
de modo a culpar as organizações de esquerda: um teatro,
a catedral da Sé e o consulado americano. Essa mesma lógica
do terror de Estado fez explodir bombas, no Rio, na Editora Civilização
Brasileira, na OAB e no Riocentro. Tudo em nome da democracia e da liberdade.
Graças ao heroísmo do capitão Sérgio Macaco,
do Parasar, o Gasômetro não foi pelos ares.
Como se explica que, com tanta disposição e recursos para
combater o terrorismo, a Máfia e o narcotráfico continuem
a atuar nos EUA, a ponto de roubarem sucata dos escombros do WTC? A
lógica analítica parece não se dar conta de que
a globalização da violência só será
vencida pela globalização da solidariedade. Enquanto a
humanidade não estabelecer as premissas básicas de uma
macroética, capaz de regular a convivência internacional,
facões de seqüestradores e falcões da política
continuarão a matar a pomba da paz.
_______________________________________
Frei Betto é escritor, e co-autor de "O Desafio Ético"
(Garamond), entre outros livros.
Envie
um comentário sobre este artigo
|