NOVA
YORK DELIRA
PAUL VIRILIO
O atentado do World Trade Center é o primeiro do pós-guerra
fria. Quem quer que tenham sido os seus autores, ele inaugura uma nova
era do terrorismo, e não tem nada em comum com as explosões
repetidas que sacodem a Irlanda ou a Inglaterra.
De fato, o aspecto marcante de um tal atentado foi que ele se destinava
abertamente a abater o edifício do World Trade Center, ou seja,
a provocar a morte de dezenas de milhares de pessoas inocentes. Da mesma
forma que um bombardeamento aéreo maciço, a única
bomba de várias centenas de quilos de explosivos colocados justamente
em suas fundações deveria ter provocado o desabamento
da torre de quatrocentos metros de altura
Não se trata,
portanto, de um simples remake do filme Inferno na Torre, como gostaram
de repetir as mídias preocupadas em fazer imagem, mas mais exatamente,
de um evento estratégico que confirmava, aos olhos de todos,
a mudança de regime militar deste fim de século.
Um pouco como tinham sinalizado, por sua vez, as bombas de Hiroshima
e de Nagasaki ,uma mudança de época da guerra, a caminhonete
explosiva de Nova York ilustra, a seu modo, a mutação
do terrorismo.
Inaugurado pela queda do "Muro de Berlim", mas sobretudo pelo
conflito do Golfo, o fim da era da dissuasão nuclear é
hoje confirmado pela guerra civil na ex-Iugoslávia, mas também
por essa tentativa, por sorte abortada, de abater a torre de Nova York.
Envolvidos em um temível arremate, devido às incertezas
da política exterior americana e, sobretudo, ao questionamento
sobre as capacidades do jovem presidente Clinton para colocá-la
em ação seria ele um Kennedy ou um Carter?
os inimigos da política ocidental testam o adversário!
É algo que se esquece com frequência, que a ingerência
militar não esperou as recentes decisões do Conselho de
Segurança da ONU e suas dimensões "humanitárias"
para existir. Há muito tempo, a "política da canhoneira"
do colonialismo de outrora foi renovada fundamentalmente pela ação
terrorista, a ingerência ofensiva de comandos mais ou menos controlados
por certos Estados, ou ainda, o poderio nascente do narco-capitalismo.
Com a bomba de Nova York, nós nos encontramos frente a uma nova
escalada aos extremos deste tipo de ações político-militares
baseadas tanto em um número restrito de atores quanto em uma
cobertura midiática assegurada. A tal ponto que amanhã,
caso não se tome cuidado, um só homem poderia facilmente
causar desastres similares aos que ainda ontem eram provocados por toda
uma esquadra naval ou aérea.
De fato, desde pouco tempo atrás, a miniaturização
das cargas e os progressos químicos no campo da deflagração
dos explosivos favorecem uma equação antigamente inimaginável:
UM HOMEM UMA GUERRA TOTAL.
No exato momento em que a Organização das Nações
Unidas espera reabrir as sessões do tribunal criminal de Nuremberg
para os autores de crimes de guerra, seria igualmente urgente sentenciar
vigorosamente as práticas terroristas, de onde quer que elas
provenham, senão assistiremos impotentes à multiplicação
repentina deste tipo de operação "econômica",
mas ao mesmo tempo capaz de ocasionar os maiores danos, não somente
às vítimas inocentes, mas ainda e sobretudo, à
democracia.
Após a era do equilíbrio do terror, que durou cerca de
quarenta anos, agora é a hora do desequilíbrio.
O atentado histórico do World Trade Center marca o seu início.
Verdadeiro BIG BANG, esse ato criminoso não poderia ficar mascarado
pela preocupação de se evitar o pânico das populações
das grandes metrópoles. De fato, é inútil esperar-se
as premissas de um futuro "terrorismo nuclear", se Estados
responsáveis ou organizações mais ou menos controláveis
puderam tentar passar à ação desta forma: abater
um dos mais altos edifícios do mundo para fazer ouvir suas diferenças
ou oposição política e isso, com o risco de matar
vinte ou trinta mil pessoas. É urgente protegermo-nos eficazmente,
numa época em que, justamente, as mídias americanas se
preparam para lançar o The Military Channel, um novo canal de
televisão que vai transmitir vinte quatro horas por dia documentários
e séries de programas sobre a guerra, as armas e os explosivos!
Depois de Nova York no último dia 2 de fevereiro, foi em Bombay
no dia 13 de março, depois em Calcutá, quatro dias mais
tarde, que deveriam ter explodido novas cargas destinadas a destruir
a Bolsa da capital econômica da Índia e três imóveis
do bairro comercial de Bow-Bazar, não longe do centro da antiga
capital colonial do país
Se acrescentarmos a isso o recente atentado do IRA contra a City de
Londres, nos encontramos frente a uma ofensiva de grande estilo pelos
partidários do terror.
Mesmo se, pela evidência, trata-se de causas e objetivos diversos,
atingindo regiões sem relação aparente entre si,
não podemos negar a série negra que ataca hoje os grandes
centros estratégicos mundiais.
Nos Estados Unidos, o World Trade Center é, como todos sabem,
um dos mais importantes centros de telecomunicação econômica
do país, assim como a Bolsa de Bombay ou a City de Londres. Quanto
ao Bow-Bazar de Calcutá , ele é igualmente um importante
centro de transações para os negócios indianos.
300 mortos em Bombay e quase 1000 feridos graves, 50 mortos em Calcutá
e cerca de 100 feridos
, mesmo se houve apenas 5 mortos e mais
de 10 feridos graves em Nova York, a dimensão terrorista desses
atentados não têm mais nada em comum com a "pequena
delinquência" política dos últimos anos. A
vontade dos autores não é mais somente a de "fazer
falar o pó", mas a de tentar devastar as principais cidades
do grande mercado mundial.
Nós nos encontramos, consequentemente, diante de um modelo de
"grande terrorismo", e ao mesmo título de que se fala
agora, a propósito da segurança pública, de "grande
banditismo", em oposição com a pequena delinquência
clássica; é preciso que nos acostumemos a distinguir a
diferença entre o "pequeno terrorismo" da era da dissuasão
nuclear daquele que inaugura, com o fim da guerra fria, a era da proliferação
nuclear.
Não obstante, é necessário voltarmos a falar sobre
a recente evolução dos sistemas de armas para interpretar
uma mutação que não é somente quantitativa,
mas também qualitativa. A partir da década de noventa
e da guerra do golfo Pérsico, nós assistimos à
emergência estratégica dessas "armas de comunicação"
que suplantavam a supremacia tradicional das "armas de destruição"
e das "armas de obstrução", em outras palavras,
o duelo da arma e do blindado.
De fato, depois das três frentes dos exércitos da terra,
mar e ar, assistimos à instalação progressiva de
uma quarta frente: a do poder da informação.
Ora, não devemos nos esquecer que o terrorismo internacional
é inseparável dessa frente midiática, e os atentados
só têm um sentido e um valor político através
da publicidade da televisão, da qual eles dispõem infalivelmente:
o "telegênio" das atrocidades reforçando constantemente
o seu poder de evocação, certos países, como a
União Soviética ou a Itália, chegaram até
a censurar totalmente, junto com os acidentes, os mais graves atentados
terroristas
Se a miniaturização do poder destrutivo pode permitir
a um só homem ou a um comando restrito de infligir estragos análogos
àqueles de uma operação militar de envergadura,
é óbvio que a antiga guerra de massa dos exércitos
de antigamente corre o risco de se apagar, de desaparecer, em benefício
de algum mass-killer, "assassino de massa" que utiliza o impacto
dos meios de comunicação de massa para exercer uma pressão
máxima sobre a opinião pública internacional.
Mas o que é extraordinário, aqui, é que a proliferação
súbita do terror "molecular" dos explosivos clássicos
enquanto aguarda aquela do terror "nuclear"
vem acompanhado de uma pauperização crescente da guerra.
Observamos um retorno aos conflitos do século XV, aos condottieri
e às grandes companhias de bandidos que espumavam nos campos
europeus na época das guerras privadas
Finalmente, é
suficiente um montante bastante limitado de dinheiro e muito carisma,
religioso ou outro, para que alguém possa se oferecer, rapidamente,
um bando de assassinos "para-militares".
Podemos constatar isso hoje, tanto nos Balcãs, quanto em Medellin,
ou na Birmânia, no triângulo de ouro da droga, sem falar
nas máfias, na Rússia ou em outros lugares.
É importante observar, a título de conclusão provisória,
que o atentado ao World Trade Center vê a astuciosa combinação
de uma forte dimensão simbólica e de um poder de demolição
urbana, necessitando de apenas alguns indivíduos utilizando uma
caminhonete de entregas para entregar o terror
na época
dos mísseis cruise e dos vetores de entrega nuclear mais sofisticados,
devemos admitir que se trata de um exemplo incrível de economia
política!
30 de março de 1993
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