"Un paysage d’événements" ("Uma paisagem de acontecimentos"). Paris, Éditions Galilé, 1999, páginas 49–54.

A visão premonitória de Paul Virilio, anunciando o que poderia ocorrer no cenário político e midiático a partir do atentado a bomba de 1993 no WTC, em Nova York.

 

 

 


NOVA YORK DELIRA
 
PAUL VIRILIO
 
O atentado do World Trade Center é o primeiro do pós-guerra fria. Quem quer que tenham sido os seus autores, ele inaugura uma nova era do terrorismo, e não tem nada em comum com as explosões repetidas que sacodem a Irlanda ou a Inglaterra.


De fato, o aspecto marcante de um tal atentado foi que ele se destinava abertamente a abater o edifício do World Trade Center, ou seja, a provocar a morte de dezenas de milhares de pessoas inocentes. Da mesma forma que um bombardeamento aéreo maciço, a única bomba de várias centenas de quilos de explosivos colocados justamente em suas fundações deveria ter provocado o desabamento da torre de quatrocentos metros de altura… Não se trata, portanto, de um simples remake do filme Inferno na Torre, como gostaram de repetir as mídias preocupadas em fazer imagem, mas mais exatamente, de um evento estratégico que confirmava, aos olhos de todos, a mudança de regime militar deste fim de século.


Um pouco como tinham sinalizado, por sua vez, as bombas de Hiroshima e de Nagasaki ,uma mudança de época da guerra, a caminhonete explosiva de Nova York ilustra, a seu modo, a mutação do terrorismo.
Inaugurado pela queda do "Muro de Berlim", mas sobretudo pelo conflito do Golfo, o fim da era da dissuasão nuclear é hoje confirmado pela guerra civil na ex-Iugoslávia, mas também por essa tentativa, por sorte abortada, de abater a torre de Nova York.


Envolvidos em um temível arremate, devido às incertezas da política exterior americana e, sobretudo, ao questionamento sobre as capacidades do jovem presidente Clinton para colocá-la em ação – seria ele um Kennedy ou um Carter? – os inimigos da política ocidental testam o adversário! É algo que se esquece com frequência, que a ingerência militar não esperou as recentes decisões do Conselho de Segurança da ONU e suas dimensões "humanitárias" para existir. Há muito tempo, a "política da canhoneira" do colonialismo de outrora foi renovada fundamentalmente pela ação terrorista, a ingerência ofensiva de comandos mais ou menos controlados por certos Estados, ou ainda, o poderio nascente do narco-capitalismo.


Com a bomba de Nova York, nós nos encontramos frente a uma nova escalada aos extremos deste tipo de ações político-militares baseadas tanto em um número restrito de atores quanto em uma cobertura midiática assegurada. A tal ponto que amanhã, caso não se tome cuidado, um só homem poderia facilmente causar desastres similares aos que ainda ontem eram provocados por toda uma esquadra naval ou aérea.


De fato, desde pouco tempo atrás, a miniaturização das cargas e os progressos químicos no campo da deflagração dos explosivos favorecem uma equação antigamente inimaginável: UM HOMEM – UMA GUERRA TOTAL.
No exato momento em que a Organização das Nações Unidas espera reabrir as sessões do tribunal criminal de Nuremberg para os autores de crimes de guerra, seria igualmente urgente sentenciar vigorosamente as práticas terroristas, de onde quer que elas provenham, senão assistiremos impotentes à multiplicação repentina deste tipo de operação "econômica", mas ao mesmo tempo capaz de ocasionar os maiores danos, não somente às vítimas inocentes, mas ainda e sobretudo, à democracia.


Após a era do equilíbrio do terror, que durou cerca de quarenta anos, agora é a hora do desequilíbrio.


O atentado histórico do World Trade Center marca o seu início. Verdadeiro BIG BANG, esse ato criminoso não poderia ficar mascarado pela preocupação de se evitar o pânico das populações das grandes metrópoles. De fato, é inútil esperar-se as premissas de um futuro "terrorismo nuclear", se Estados responsáveis ou organizações mais ou menos controláveis puderam tentar passar à ação desta forma: abater um dos mais altos edifícios do mundo para fazer ouvir suas diferenças ou oposição política e isso, com o risco de matar vinte ou trinta mil pessoas. É urgente protegermo-nos eficazmente, numa época em que, justamente, as mídias americanas se preparam para lançar o The Military Channel, um novo canal de televisão que vai transmitir vinte quatro horas por dia documentários e séries de programas sobre a guerra, as armas e os explosivos!
Depois de Nova York no último dia 2 de fevereiro, foi em Bombay no dia 13 de março, depois em Calcutá, quatro dias mais tarde, que deveriam ter explodido novas cargas destinadas a destruir a Bolsa da capital econômica da Índia e três imóveis do bairro comercial de Bow-Bazar, não longe do centro da antiga capital colonial do país…


Se acrescentarmos a isso o recente atentado do IRA contra a City de Londres, nos encontramos frente a uma ofensiva de grande estilo pelos partidários do terror.
Mesmo se, pela evidência, trata-se de causas e objetivos diversos, atingindo regiões sem relação aparente entre si, não podemos negar a série negra que ataca hoje os grandes centros estratégicos mundiais.


Nos Estados Unidos, o World Trade Center é, como todos sabem, um dos mais importantes centros de telecomunicação econômica do país, assim como a Bolsa de Bombay ou a City de Londres. Quanto ao Bow-Bazar de Calcutá , ele é igualmente um importante centro de transações para os negócios indianos.
300 mortos em Bombay e quase 1000 feridos graves, 50 mortos em Calcutá e cerca de 100 feridos…, mesmo se houve apenas 5 mortos e mais de 10 feridos graves em Nova York, a dimensão terrorista desses atentados não têm mais nada em comum com a "pequena delinquência" política dos últimos anos. A vontade dos autores não é mais somente a de "fazer falar o pó", mas a de tentar devastar as principais cidades do grande mercado mundial.


Nós nos encontramos, consequentemente, diante de um modelo de "grande terrorismo", e ao mesmo título de que se fala agora, a propósito da segurança pública, de "grande banditismo", em oposição com a pequena delinquência clássica; é preciso que nos acostumemos a distinguir a diferença entre o "pequeno terrorismo" da era da dissuasão nuclear daquele que inaugura, com o fim da guerra fria, a era da proliferação nuclear.


Não obstante, é necessário voltarmos a falar sobre a recente evolução dos sistemas de armas para interpretar uma mutação que não é somente quantitativa, mas também qualitativa. A partir da década de noventa e da guerra do golfo Pérsico, nós assistimos à emergência estratégica dessas "armas de comunicação" que suplantavam a supremacia tradicional das "armas de destruição" e das "armas de obstrução", em outras palavras, o duelo da arma e do blindado.


De fato, depois das três frentes dos exércitos da terra, mar e ar, assistimos à instalação progressiva de uma quarta frente: a do poder da informação.
Ora, não devemos nos esquecer que o terrorismo internacional é inseparável dessa frente midiática, e os atentados só têm um sentido e um valor político através da publicidade da televisão, da qual eles dispõem infalivelmente: o "telegênio" das atrocidades reforçando constantemente o seu poder de evocação, certos países, como a União Soviética ou a Itália, chegaram até a censurar totalmente, junto com os acidentes, os mais graves atentados terroristas…


Se a miniaturização do poder destrutivo pode permitir a um só homem ou a um comando restrito de infligir estragos análogos àqueles de uma operação militar de envergadura, é óbvio que a antiga guerra de massa dos exércitos de antigamente corre o risco de se apagar, de desaparecer, em benefício de algum mass-killer, "assassino de massa" que utiliza o impacto dos meios de comunicação de massa para exercer uma pressão máxima sobre a opinião pública internacional.
Mas o que é extraordinário, aqui, é que a proliferação súbita do terror "molecular" dos explosivos clássicos – enquanto aguarda aquela do terror "nuclear" – vem acompanhado de uma pauperização crescente da guerra. Observamos um retorno aos conflitos do século XV, aos condottieri e às grandes companhias de bandidos que espumavam nos campos europeus na época das guerras privadas… Finalmente, é suficiente um montante bastante limitado de dinheiro e muito carisma, religioso ou outro, para que alguém possa se oferecer, rapidamente, um bando de assassinos "para-militares".


Podemos constatar isso hoje, tanto nos Balcãs, quanto em Medellin, ou na Birmânia, no triângulo de ouro da droga, sem falar nas máfias, na Rússia ou em outros lugares.


É importante observar, a título de conclusão provisória, que o atentado ao World Trade Center vê a astuciosa combinação de uma forte dimensão simbólica e de um poder de demolição urbana, necessitando de apenas alguns indivíduos utilizando uma caminhonete de entregas para entregar o terror… na época dos mísseis cruise e dos vetores de entrega nuclear mais sofisticados, devemos admitir que se trata de um exemplo incrível de economia política!
30 de março de 1993


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