Lutando contra todas as formas de terrorismo

 

 


Vandana Shiva
The Hindu

22 de setembro de 2001

Tradução Imediata

Dia 18 de setembro foi o dia de solidariedade para com todas as vítimas dos ataques terroristas aos EUA do dia 11 de setembro. Eu me uni aos milhões de pessoas para observar dois minutos de silêncio, às 10:30 da manhã, para todos aqueles que perderam suas vidas durante o assalto ao World Trade Center e ao Pentágono. Mas eu também pensei nos milhões que são vítimas de outras ações terroristas e outras formas de violência. E eu renovei meu empenho de resistir a todas as formas de violência. Às 10:30 da manhã do dia 18 de setembro, eu estava com Laxmi, Raibari e Suranam , no vilarejo de Jhodia Sahi, em Kashipur, distrito de Orissa. O marido de Laxmi, Ghabi Jhodia, estava entre os 20 membros da tribo que, recentemente, morreram de inanição. No mesmo vilarejo, Subarna Jhodia também tinha morrido. Em seguida, encontramos Singari no vilarejo de Bilamal. Ela tinha perdido seu marido Sadha, seu filho primogênito Surat, seu filho caçula Paila e sua nora Sulami.


A negação deliberada de comida para os pobres é parte central dos programas de Ajuste Estrutural do Banco Mundial. O desmantelamento do Sistema Público de Distribuição (SPD) era uma condicionalidade do Banco Mundial. Sua justificativa era a contenção de despesas. Mas o orçamento para o subsídio da comida explodiu de 2.800 rupias em 1991 para 14.000 em 2001. Mais dinheiro está sendo gasto para armazenar grãos porque o Banco quis a eliminação dos subsídios. Isso levou a um aumento no preço da comida, diminuindo as aquisições do SPD e aumentando a estocagem. A segurança alimentar da nação está desmoronando.


As mortes por inanição em Maharashtra, Rajasthan e Orissa são sintomas do colapso dos nossos sistemas de alimentação. Kashipur foi abençoada com uma abundância da natureza. A inanição é o resultado de ondas de violência contra a natureza e as comunidades tribais, do saque ecológico dos recursos da região, do desmantelamento do sistema de segurança alimentar devido às políticas de reforma econômica e do impacto da mudança climática, que provocaram os fracassos das colheitas. Vinte anos atrás, o setor da celulose e do papel violentaram as florestas de Kashipur. Hoje, as ervas estão nuas e as fábricas de papel estão trazendo os eucaliptos da região vizinha de Andhra Pradesh. Agora, as empresas gigantes de mineração — a Hydro da Noruega, a Alcan do Canadá, a Indico, a Balco/Sterlite da Índia deflagraram uma nova onda de terror. Elas estão de olho na bauxita das colinas majestosas de Kashipur, já que a bauxita é utilizada para o alumínio necessário à produção das latinhas de Coca Cola e dos aviões de caça.


Imaginem cada montanha como se fosse um World Trade Center construído pela natureza, durante milênios. Pensem em quantas tragédias maiores do que aquela que o mundo viveu no dia 11 de setembro estão ocorrendo somente para fornecer matérias primas a insaciáveis indústrias e mercados. As empresas produtoras de alumínio querem as terras natais dos tribais de Kashipur. Mas os tribais se recusam de sair. Eles estão defendendo as terras e a Terra através de um movimento não-violento. Esse aquinhoar forçado dos recursos das pessoas também é uma forma de terrorismo — terrorismo corporativo. Os 50 milhões de tribais que tiveram que evacuar por terem tido suas terras inundadas pelas represas durante as últimas quatro décadas também são vítimas do terrorismo — elas tiveram que encarar o terror da tecnologia e do desenvolvimento destrutivo. Para as 30.000 pessoas que morreram devido ao superciclone de Orissa e os milhões que morrerão quando as inundações e a seca e os ciclones se tornarem muito mais graves devido à mudança climática e à poluição do combustível fóssil, o Presidente dos EUA, Sr. George W. Bush, é um terrorista ecológico, porque ele se recusa de assinar o protocolo de Kyoto. A OMC (Organização Mundial do Comércio) foi chamada de Organização Mundial do Terrorismo pelos cidadãos de Seattle, porque suas regras negaram a milhões de pessoas o direito à vida e ao ganha-pão.


Somente as culturas baseadas na paz, na democracia e na segurança da população poderão acabar com o terrorismo. É errado definir-se o mundo pós-11 de setembro como um mundo de guerra entre "a civilização e a barbárie", ou "a democracia e o terrorismo". Trata-se de uma guerra entre duas formas de terrorismo, onde a imagem de uma não faz mais do que espelhar os pressupostos da outra. Ambas as formas compartilham a cultura dominante da violência. Ambas as formas utilizam as mesmas armas e as mesmas tecnologias. Quanto à preferência pela violência e pelo uso do terror, cada lado é um clone do outro. E as vítimas de ambos são pessoas inocentes, em todas as partes. Ao lembrarmos as vítimas da Terça-feira Negra, devemos reforçar a nossa solidariedade para com os milhões de vítimas invisíveis das outras formas de terrorismo e violência, as quais estão ameaçando a nossa própria possibilidade de futuro no planeta. Podemos transformar esse momento histórico brutal e trágico, edificando culturas de paz.

(A escritor é Diretora do Research Foundation for Science, Technology and Ecology, de Nova Deli).

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THE HINDU, Saturday September 22, 2001

FIGHTING TERRORISM OF ALL BRANDS

VANDANA SHIVA

September 18 was the day for solidarity with victims of the terrorist attacks on the U.S. on September 11. I joined the millions of people to observe two minutes silence at 10:30 a.m. for those who lost their lives in the assault on the World Trade Center and the Pentagon. But I also thought of the millions who are victims of other terrorist actions and other forms of violence. And I renewed my commitment to resist violence in all its forms. At 10:30 a.m. on September 18, I was with Laxmi, Raibari and Suranam in Jhodia Sahi village in Kashipur district of Orissa. Laxmi's husband Ghabi Jhodia was among the 20 tribals who recently died of starvation. In the same village, Subarna Jhodia had also died. Later, we met Singari in Bilamal village who had lost her husband Sadha, elder son Surat, younger son Paila and daughter-in-law Sulami.

The deliberate denial of food to the hungry is at the core of the World Bank Structural Adjustment programmes. Dismantling the Public Distribution System (PDS) was a World Bank conditionality. It was justified on grounds of reducing expenditure. But the food subsidy budget has exploded from Rs. 2,800 crores in 1991 to Rs. 14,000 crores in 2001. More money is being spent to store grain because the Bank wanted food subsidies to be withdrawn. This led to increase in food prices, lowering of purchase from PDS and build up of stocks. The food security of the nation is collapsing.

Starvation deaths in Maharashtra, Rajasthan and Orissa are symptoms of the breakdown of our food systems. Kashipur was gifted with abundance of nature. Starvation is the result of waves of violence against nature and the tribal communities, of ecological plunder of the resources of the region, the dismantling of the food security system under economic reform policies and the impact of climate change which caused crop failures. Twenty years ago, the pulp and paper industry raped the forests of Kashipur. Today, the herbs stand naked and the paper mills are bringing eucalyptus from neighbouring Andhra Pradesh. Now the giant mining companies - Hydro of Norway, Alcan of Canada, Indico, Balco/Sterlite of India have unleashed a new wave of terror. They are eyeing the bauxite in the majestic hills of Kashipur as it is used for aluminium that will go to make Coca Cola cans and
fighter planes.

Imagine each mountain to be a World Trade Center built by nature over millennia. Think of how many tragedies bigger than what the world experienced on September 11 are taking place to provide raw material for insatiable industry and markets. The Aluminium companies want the homelands of the Kashipur tribals. But the tribals refuse to leave. They are defending the land and earth through a non-violent movement. This forced apportioning of resources from people too is a form of terrorism - corporate terrorism. The 50 million tribals who have been flooded out of their homes by dams over the past four decades are also victims of terrorism - they have faced the terror of technology and destructive development. For the 30,000 people who died in the Orissa supercyclone, and the millions who will die when flood and drought and cyclones become more severe because of climate change and fossil fuel pollution, the U.S. President, Mr. George W. Bush, is an ecological terrorist because he refuses to sign the Kyoto protocol. The WTO was named the World Terrorist Organization by citizens in Seattle because its rules denied millions the right to life and livelihood.

Terrorism can only be stopped by cultures of peace, democracy, and people's security. It is wrong to define the post-September 11 world as a war between ``civilization and barbarism'' or ``democracy and terrorism.'' It is a war between two forms of terrorism which are mirror images of each other's mindsets. They share the dominant culture of violence. They use the same weapons and the same technologies. In terms of the preference for violence and use of terror, both sides are clones of each other. And their victims are innocent people everywhere. As we remember the victims of Black Tuesday, let us also strengthen our solidarity with the millions of invisible victims of other forms of terrorism and violence which are threatening the very possibility of our future on this planet. We can turn this tragic brutal historical moment into building cultures of peace.

(The writer is Director, Research Foundation for Science, Technology and
Ecology, New Delhi).




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