Os falsos persuasores; como as empresas estão criando falsos cidadãos para tentar mudar o modo como pensamos

 

 


George Monbiot
22 de julho de 2002

Tradução Imediata

A persuasão funciona melhor quando é invisível. O marketing mais eficaz penetra rastejando para dentro de nossa consciência, deixando intacta a percepção de que formamos nossas opiniões e fizemos nossas escolhas de modo independente. Tão antiga quanto a própria humanidade, durante os últimos anos essa abordagem foi aprimorada, com a ajuda da internet, numa técnica chamada "marketing viral". No mês passado, os vírus parecem ter assassinado o seu hospedeiro. Uma das mais importantes publicações científicas foi persuadida a fazer algo que nunca tinha sido feito antes, e retratar um trabalho que tinha publicado.

Enquanto no passado as empresas criavam falsos grupos de cidadãos para fazerem campanhas a favor do emporcalhamento de florestas ou da poluição de rios, agora elas estão criando falsos cidadãos. Mensagens que deveriam originar de fontes imparciais são afixadas em sites e listservers específicos em momentos críticos, disseminando informações enganadoras na esperança de recrutarem pessoas reais para determinada causa. O trabalho de detetive efetuado pelo propagandista Jonathan Matthews e pelo jornalista freelancer Andy Rowell mostra como uma empresa de relações públicas contratada pela empresa de biotecnologia Monsanto parece ter tido um papel crucial mas invisível na configuração do discurso científico.

A Monsanto sabe melhor do que qualquer outra corporação quais são os custos da visibilidade. Em 1997, suas torpes tentativas de persuadir o público a comer alimentos geneticamente modificados não fez mais do que destruir o mercado para suas safras. Determinada a nunca mais cometer o mesmo erro, contratou os serviços de uma empresa que sabe como persuadir sem dar a impressão de que está persuadindo. O Bivings Group se especializa em lobby para a internet.

Um artigo no seu website, titulado "Marketing Viral: como infectar o mundo" adverte que "há certas campanhas com relação às quais seria indesejável ou mesmo desastroso deixar a audiência saber que a sua organização está diretamente envolvida... seria, simplesmente, uma ação de relações públicas não inteligente. Nesses casos, é importante primeiro "ouvir" o que está sendo dito online... Depois de estar plugado neste mundo, é possível afixar informações nesses canais que apresentam a sua posição como se você fosse uma terceira parte sem qualquer envolvimento parcial.... Talvez a maior vantagem do marketing viral é que a sua mensagem é colocada num contexto onde é mais provável que ela seja levada a sério." Um executivo sênior da Monsanto é citado no site da Bivings, agradecendo a firma de RP pelo seu "formidável trabalho".

No dia 29 de novembro do ano passado, dois pesquisadores da Universidade da Califórnia, Berkeley, publicaram um artigo na revista Nature, onde afirmavam que o milho nativo do México tinha sido contaminado, através de um extenso território, por pólen geneticamente modificado. O artigo foi um desastre para as empresas biotecnológicas que procuravam persuadir o México, o Brasil e a União Européia a suspender seus embargos relativos às safras geneticamente modificadas.

Mesmo antes da publicação, os pesquisadores sabiam que o seu trabalho era perigoso. Um dos pesquisadores, Ignacio Chapela, foi abordado pelo diretor de uma corporação mexicana, que lhe ofereceu uma brilhante posição como pesquisador se ele engavetasse seu artigo, em seguida lhe disse que sabia como poderia encontrar seus filhos. Nos EUA, os oponentes de Chapela optaram por uma forma diferente de assassinato.

No dia em que o artigo foi publicado, começaram a aparecer mensagens num site usado por mais de 3000 cientistas, chamado AgBioWorld. A primeira mensagem chegou de uma correspondente chamada "Mary Murphy". Chapela faz parte da Diretoria da Pesticide Action Network (Rede de Ação contra os Pesticidas), e portanto, escreveu ela, "não exatamente o que seria considerado um escritor imparcial." A mensagem dela foi seguida de outra, enviada por uma certa "Andura Smetacek", reivindicando, falsamente, que o artigo de Chapela não tinha sido revisado por colegas profissionais competentes, que ele era "em primeiro lugar e antes de mais nada um ativista", e que a pesquisa tinha sido publicada em trama conspiratória junto com os ambientalistas. No dia seguinte, outro email de "Smetacek" perguntava aos assinantes do site, "quanto dinheiro Chapela recebe por palestra, reembolso para viagem e outras doações ... pela ajuda que ele presta trapaceando com campanhas de marketing baseadas no medo?"

As mensagens de Murphy e Smetacek estimularam centenas de outras, algumas das quais repetiam ou reforçavam as acusações feitas por elas. Biotecnologistas sênior pediram que Chapela fosse despedido de Berkeley. O AgBioWorld lançou uma petição apontando as ‘falhas fundamentais’ do artigo.

Parece que existem problemas metodológicos com a pesquisa publicada por Chapela e seu colega David Quist, mas isto está longe de ser algo inédito numa revista científica. Toda a ciência é, e deveria ser, sujeita a contestação e refutação. Mas neste caso, a pressão feita contra a revista Nature foi tanta que o seu editor fez algo sem paralelos nos 133 anos de história da mesma: no mês passado, a revista publicou, junto com dois artigos que contestavam a pesquisa de Quist e Chapela, uma retratação, na qual escreveu que a pesquisa em questão nunca deveria ter sido publicada.

Portanto, a campanha contra os pesquisadores foi extraordinariamente bem-sucedida; mas quem, exatamente, começou a campanha? Quem são "Mary Murphy" e "Andura Smetacek"?

Ambas afirmam ser cidadãs comuns, sem ligação com qualquer corporação. O Bivings Group afirma "não ter qualquer conhecimento delas". "Mary Murphy" usa uma conta hotmail para enviar mensagens à AgBioWorld. Mas uma mensagem satirizando os oponentes da biotecnologia, enviada por "Mary Murphy" a partir do mesmo endereço hotmail a um outro listserver, há dois anos, contém a identificação bw6.bivwood.com. Bivwood.com é propriedade da Bivings Woodell, que é parte do Bivings Group. Quando eu lhe escrevi perguntando se era funcionária da Bivings e se Mary Murphy era o seu nome real, ela respondeu que "não tinha ligações com o setor". Mas recusou-se a responder minhas perguntas alegando: "Posso ver, pelos seus artigos, que há muito tempo você tem uma posição definida sobre biotecnologia". O interessante nessa resposta é que a minha mensagem não tinha sequer mencionado a palavra biotecnologia. Eu tinha dito simplesmente que estava pesquisando um artigo sobre lobby na internet.

Smetacek tem, em diferentes ocasiões, dado o seu endereço como sendo "Londres" ou "Nova York". Mas nas listas eleitorais, listas telefônicas e registros de cartão de crédito tanto de Londres como de todos os EUA não consta ninguém com o nome "Andura Smetacek". O nome dela aparece somente no site AgBioWorld e em outros listservers, nos quais ela afixou um grande número de mensagens acusando grupos como o Greenpeace de terrorismo. As cartas que enviei para ela não obtiveram nenhuma resposta. Mas uma dica sobre a sua possível identidade é sugerida pela sua constante promoção do "Center For Food and Agricultural Research" (Centro para a Pesquisa Alimentar e Agrícola). Parece que o centro não existe, exceto como website, onde os ‘verdes’ são repetidamente acusados de tramar violência. Cffar.org está registrado sob o nome de alguém chamado Manuel Theodorov. Manuel Theodorov é o "diretor de associações" da Bivings Woodell.

Até mesmo o website onde foi lançada a campanha contra a revista Nature atraiu suspeitas. Seu moderador, o fanático por biotecnologia Professor CS Prakash, afirma não ter qualquer ligação com o Bivings Group. Mas quando Jonathan Matthews estava pesquisando os arquivos do site, ele recebeu a seguinte mensagem de erro: "não é possível efetuar a conexão com o server MySQL da 'apollo.bivings.com'". Apollo.bivings.com é o servidor principal do Bivings Group.

"Às vezes," gaba-se Bivings, "ganhamos recompensas. Às vezes, somente o cliente sabe o papel preciso que desempenhamos." Às vezes, em outras palavras, pessoas reais não têm a mínima idéia de que estão sendo gerenciadas por falsificações fraudulentas ou contrafacções.

 

 

 

The Fake Persuaders

Companies are creating false citizens to try to change the way we think

by George Monbiot

July 22, 2002

Persuasion works best when it's invisible. The most effective marketing worms its way into our consciousness, leaving intact the perception that we have reached our opinions and made our choices independently. As old as humankind itself, over the past few years this approach has been refined, with the help of the internet, into a technique called "viral marketing". Last month, the viruses appear to have murdered their host. One of the world's foremost scientific journals was persuaded to do something it has never done before, and retract a paper it had published.

While, in the past, companies have created fake citizens' groups to campaign in favour of trashing forests or polluting rivers, now they create fake citizens. Messages purporting to come from disinterested punters are planted on listservers at critical moments, disseminating misleading information in the hope of recruiting real people to the cause. Detective work by the campaigner Jonathan Matthews and the freelance journalist Andy Rowell shows how a PR firm contracted to the biotech company Monsanto appears to have played a crucial but invisible role in shaping scientific discourse.

Monsanto knows better than any other corporation the costs of visibility. Its clumsy attempts, in 1997, to persuade people that they wanted to eat GM food all but destroyed the market for its crops. Determined never to make that mistake again, it has engaged the services of a firm which knows how to persuade without being seen to persuade. The Bivings Group specialises in internet lobbying.

An article on its website, entitled "Viral Marketing: How to Infect the World" warns that "there are some campaigns where it would be undesirable or even disastrous to let the audience know that your organization is directly involved ... it simply is not an intelligent PR move. In cases such as this, it is important to first "listen" to what is being said online ... Once you are plugged into this world, it is possible to make postings to these outlets that present your position as an uninvolved third party. ... Perhaps the greatest advantage of viral marketing is that your message is placed into a context where it is more likely to be considered seriously." A senior executive from Monsanto is quoted on the Bivings site, thanking the PR firm for its "outstanding work".

On 29 November last year, two researchers at the University of California, Berkeley published a paper in Nature magazine, which claimed that native maize in Mexico had been contaminated, across vast distances, by GM pollen. The paper was a disaster for the biotech companies seeking to persuade Mexico, Brazil and the European Union to lift their embargos on GM crops.

Even before publication, the researchers knew their work was hazardous. One of them, Ignacio Chapela, was approached by the director of a Mexican corporation, who first offered him a glittering research post if he withheld his paper, then told him that he knew where to find his children. In the US, Chapela's opponents have chosen a different form of assassination.

On the day the paper was published, messages started to appear on a biotechnology listsever used by more than 3000 scientists, called AgBioWorld. The first came from a correspondent named "Mary Murphy". Chapela is on the board of directors of the Pesticide Action Network, and therefore, she claimed, "not exactly what you'd call an unbiased writer." Her posting was followed by a message from an "Andura Smetacek", claiming, falsely, that Chapela's paper had not been peer-reviewed, that he was "first and foremost an activist", and that the research had been published in collusion with environmentalists. The next day, another email from "Smetacek" asked the list, "how much money does Chapela take in speaking fees, travel reimbursements and other donations ... for his help in misleading fear-based marketing campaigns?"

The messages from Murphy and Smetacek stimulated hundreds of others, some of which repeated or embellished the accusations they had made. Senior biotechnologists called for Chapela to be sacked from Berkeley. AgBioWorld launched a petition pointing to the paper's "fundamental flaws".

There do appear to be methodological problems with the research Chapela and his colleague David Quist had published, but this is hardly unprecedented in a scientific journal. All science is, and should be, subject to challenge and disproof. But in this case the pressure on Nature was so severe that its editor did something unparalleled in its 133-year history: last month he published, alongside two papers challenging Quist and Chapela's, a retraction, in which he wrote that their research should never have been published.

So the campaign against the researchers was extraordinarily successful; but who precisely started it? Who are "Mary Murphy" and "Andura Smetacek"?

Both claim to be ordinary citizens, without any corporate links. The Bivings Group says it has "no knowledge of them". "Mary Murphy" uses a hotmail account for posting messages to AgBioWorld. But a message satirising the opponents of biotech, sent by "Mary Murphy" from the same hotmail address to another server two years ago contains the identification bw6.bivwood.com. Bivwood.com is the property of Bivings Woodell, which is part of the Bivings Group. When I wrote to her to ask whether she was employed by Bivings and whether Mary Murphy was her real name, she replied that she had "no ties to industry". But she refused to answer my questions on the grounds that "I can see by your articles that you made your mind up long ago about biotech". The interesting thing about this response is that my message to her did not mention biotechnology. I told her only that I was researching an article about internet lobbying.

Smetacek has, on different occasions, given her address as "London" and "New York". But the electoral rolls, telephone directories and credit card records in both London and the entire United States reveal no "Andura Smetacek". Her name appears only on AgBioWorld and a few other listservers, on which she has posted scores of messages falsely accusing groups such as Greenpeace of terrorism. My letters to her have elicited no response. But a clue to her possible identity is suggested by her constant promotion of "the Center For Food and Agricultural Research". The center appears not to exist, except as a website, which repeatedly accuses greens of plotting violence. Cffar.org is registered to someone called Manuel Theodorov. Manuel Theodorov is the "director of associations" at Bivings Woodell.

Even the website on which the campaign against the paper in Nature was launched has attracted suspicion. Its moderator, the biotech enthusiast Professor CS Prakash, claims to have no connection to the Bivings Group. But when Jonathan Matthews was searching the site's archives he received the following error message: "can't connect to MySQL server on 'apollo.bivings.com'". Apollo.bivings.com is the main server of the Bivings Group.

"Sometimes," Bivings boasts, "we win awards. Sometimes only the client knows the precise role we played." Sometimes, in other words, real people have no idea that they are being managed by fake ones.

 

 

 

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