Bombas sujas à espera de um detonador ; os navios britânicos a ponto de apanhar uma carga de plutônio representam uma das ameaças mais graves à segurança global.

 

 


George Monbiot
The Guardian

11 de junho de 2002

Tradução Imediata

Atualmente, o mundo enfrenta duas ameaças nucleares iminentes. A primeira é o impasse entre a Índia e o Paquistão, duas potências nucleares vacilantes à beira da guerra. A segunda provém de uma transação comercial entre o Reino Unido e o Japão.

No final desta semana, dois navios britânicos deixarão o porto de Takahama, para coletar uma quantidade de plutônio suficiente para fazer 17 bombas atômicas. Embora o transporte do material nuclear ao interior do Japão tenha sido suspenso durante a Copa do Mundo, pois não havia um número suficiente de policiais para garantir a segurança, o poder por trás dessa carga não permite considerações desse tipo. O plutônio será transportado para a Inglaterra num percurso de 18 mil milhas, passando por alguns dos mares mais agitados e perigosos do planeta. Na Inglaterra, ele será reempacotado e transportado de volta ao Japão. A segurança dessa operação foi definida no briefing da defesa que tem a última palavra sobre o assunto, o Jane's Foreign Report, como "totalmente inadequado". A Inglaterra e o Japão devem lançar, na forma de dois navios de carga para o transporte do material, um par de bombas sujas flutuantes, à espera de um detonador. E estão fazendo isso por razões que não têm nada a ver com economia e nada a ver com defesa, mas tudo a ver com uma política que é tão maluca e perigosa como a sua missão.

A carga que será coletada consiste em uma mistura óxidos de plutônio e de urânio -- Mox, para encurtar -- o qual foi entregue pela British Nuclear Fuels Ltd ao Japão, onde deveria ter sido usado como combustível para reator. Os japoneses descobriram que a BNFL tinha falsificado seus registros e exigiu que a companhia recuperasse o material.

A BNFL, uma empresa estatal, deve cumprir com a exigência se não quiser perder futuros mercados para o seu combustível Mox. Precisa defender aqueles mercados para justificar a decisão do governo do mês de outubro de permitir que seja aberta uma fábrica de Mox em Sellafield, na Cumbria. A fábrica de Mox abriu de modo a dar um sentido às operações de reprocessamento de Sellafield, as quais extraem plutônio e urânio do lixo nuclear. O reprocessamento foi permitido de modo a providenciar uma razão para que a Sellafiel continue a existir. A Sellafield existe de modo a manter ativo o programa de poderio nuclear da Inglaterra…que existe, bem… porque existe. Pode ser que um dia tenha havido alguma razão, mas se houve mesmo, foi perdida nas brumas do tempo.

A política nuclear da Inglaterra, em outras palavras, é como a velha que acabou engolindo uma mosca. Cada solução é pior do que o problema que deveria resolver. Cada nova justificativa como um roda de catraca que propulsiona a probabilidade de ocorrência de um grave acidente nuclear ou falha nos sistemas de segurança. Ainda assim, a oportunidade institucional do programa faz levar tudo adiante.

Este programa pode sustentar-se somente até que o público compreenda os dois fatos inevitáveis do poder nuclear. O primeiro é que não existe, até agora, um modo seguro para se dar um destino ao lixo que produz. O segundo é que, mesmo que se encontre um modo, o monitoramento e o gerenciamento seguro desse lixo requerem 250.000 anos de estabilidade política e econômica. Nenhum governo do planeta pode garantir nem mesmo cinco.

São as tentativas do governo britânico de impedir que possamos compreender essas verdades, que agora expõem o mundo à ameaça tanto da proliferação nuclear quanto do terrorismo nuclear. O reprocessamento deixou ao Reino Unido o legado da maior estocagem de plutônio do mundo: 60 toneladas nossas, mais dez toneladas de outros povos. O estoque todo, conforme descobriu a comissão de exame para a segurança do governo em janeiro, está armazenado em Sellafield, dentro de prédios pouco mais robustos do que galpões de jardim. Treze quilogramas de plutônio são suficientes para construir uma bomba atômica.

A transformação desse plutônio em Mox é apresentada como a solução para a proliferação. Infelizmente, ela introduz quatro problemas adicionais. O primeiro é que o processo Mox gera ainda mais lixo nuclear. O segundo é que, como para todos os outros aspectos da indústria nuclear, custa bem mais para produzir, quando se levam em conta todas as despesas, do que permite recuperar. O terceiro é que quase ninguém quer comprá-lo, já que a maioria das usinas nucleares usam o muito mais seguro e barato urânio pouco enriquecido. O quarto é que o único mercado certo se encontra no outro lado do mundo.

O Japão tem suas próprias razões institucionais deformadas para envolver-se nesse comércio. Seu rápido programa de criação, que consistia em usar o plutônio extraído do seu lixo atômico e enviá-lo para Sellafield para reprocessamento, desmoronou depois de um acidente em 1995. Mas o país permanece contratualmente obrigado a reimportar o seu próprio plutônio da BNFL. Dessa forma, pediu que a empresa o transformasse em Mox, o qual poderia ser utilizado (a um risco considerável), em seus leves reatores hidráulicos.

As bombas sujas que a BNFL está aponto de lançar em alto mar serão, espera-se, as primeiras de muitas. Para não dar a impressão de que sua carga poderia ser perigosa, o Japão insistiu que os navios não contassem com escolta militar. Eles dispõem de armas a bordo, mas não dispõem nem de defesas antimíssil guiadas por radar nem a velocidade necessária para poder evadir de um ataque de um barco rápido.

Para espalhar plutônio através de toda uma região, os terroristas precisam somente enviar um míssil ou barco como aquele que Bin Laden usou para atacar o USS Cole, equipado com os explosivos certos, na lateral de um dos navios de carga. O combustível Mox é armazenado em contêineres que podem resistir a temperaturas de 800C por 30 minutos. Incêndios na nave, como indicou a revista The Ecologist, podem queimar por 24 a temperaturas de até 1000C.

Roubar o material é apenas uma questão de driblar os 26 policiais britânicos a bordo e retirar as portas de segurança, uma tarefa fácil de ser cumprida por vários grupos terroristas e por todos os estados do mundo que são aspirantes nucleares. O plutônio e o urânio podem ser separados por processos químicos cuja tributação é bem inferior ao da manufatura de drogas arrojadas.

Dessa forma, o Reino Unido e o Japão estão investindo bilhões em segurança e bilhões em insegurança. Nenhum dos dois governos ousa desafiar o monstro nuclear que criaram. Usando o dinheiro dos contribuintes para seduzir, persuadir e ameaçar tanto o governo quanto o contribuinte, essa indústria que se auto-serve e auto-reproduz, e que não faz nada que não poderia ser feito de modo mais econômico em outros lugares, garantiu-se um tal nível de recursos, de concessões e de contradições de política que nós mesmos acabamos tendo sido os patrocinadores da maior ameaça à nossa própria segurança.

Quando o poder reside nas empresas privadas, o governo britânico se aninha com elas e ajuda a criar seus filhotes. Quando reside num monstro estatal, que se sentiria perfeitamente em casa na Rússia de Brezhnev, o governo copulará alegremente com esse monstro. Num momento, adverte sobre as sérias ameaças à nossa segurança, permitindo que a polícia tenha acesso a todos os nossos e-mails, classificando os manifestantes contrários como terroristas e dizendo que o Afeganistão precisa ser bombardeado; logo em seguida, ignora essas preocupações como se fossem bobagem, para poder despachar plutônio ao outro lado do mundo, em navios de carga civis.

A indústria nuclear precisa ser destruída antes que nos destrua. Devemos, em outras palavras, arrancar o poder político do poder nuclear.

 

Dirty Bombs Waiting for a Detonator

The British ships about to pick up a consignment of plutonium present one of the gravest of all threats to global security.

by George Monbiot

The Guardian

June 11, 2002

The world now faces two imminent nuclear threats. The first is the standoff between India and Pakistan, two nuclear powers vacillating on the brink of war. The second arises from a commercial deal between the United Kingdom and Japan.

At the end of this week, two British ships will pull into the port of Takahama, to collect enough plutonium to make 17 atomic bombs. While the transport of nuclear material within Japan has been halted during the World Cup, as there are not enough police to guarantee its safety, the power behind this shipment permits no such considerations. The plutonium will be transported 18,000 miles through some of the roughest and most dangerous seas on earth back to Britain, where it will be repacked and returned to Japan. Its security has been described by the definitive defence briefing Jane's Foreign Report as "totally inadequate". Britain and Japan are to launch, in the form of the two freighters carrying the material, a pair of floating dirty bombs, waiting for a detonator. And they are doing so for reasons which have nothing to do with economics and nothing to do with defence, but everything to do with a politics which is as mad and dangerous as their mission.

The cargo they will collect is a consignment of mixed plutonium and uranium oxides -- Mox for short -- which was delivered by British Nuclear Fuels Ltd to Japan, where it was to have been used as reactor fuel. The Japanese discovered that BNFL had falsified its records, and demanded that the company retrieve it.

BNFL, which is a state-owned company, must comply if it is not to lose future markets for its Mox fuel. It must defend those markets in order to justify the government's decision in October to allow the Mox plant at Sellafield in Cumbria to open. The Mox plant opened in order to make sense of the reprocessing operations at Sellafield, which extract plutonium and uranium from nuclear waste. The reprocessing was permitted in order to provide a reason for Sellafield's continued existence. Sellafield exists in order to keep the British nuclear power programme running. The British nuclear power programme exists because ... well, it exists because it exists. There may once have been a reason, but if so it has been lost in the mists of time.

Britain's nuclear policy, in other words, is like the old woman who swallowed a fly. Every solution is worse than the problem it was supposed to address. Every new justification ratchets up the probability of a major nuclear accident or breach of security. Yet the programme's institutional momentum carries all before it.

This programme can sustain itself only until the public grasps the two unavoidable facts of nuclear power. The first is that there is, as yet, no safe means of disposing of the wastes it produces. The second is that even if one is found, the monitoring and safe management of these wastes requires 250,000 years of political and economic stability. No government on earth can guarantee five.

It is the British government's attempts to prevent us from grasping these truths which now expose the world to the threat of both nuclear proliferation and nuclear terrorism. Reprocessing has bequeathed to the United Kingdom the biggest plutonium stockpile in the world: 60 tonnes of our own, and ten tonnes of other people's. The entire stock, as the government's security review board discovered in January, is stored at Sellafield in buildings scarcely more robust than garden sheds. Thirteen kilogrammes of plutonium is enough to make an atom bomb.

Turning this plutonium into Mox is presented as the solution to proliferation. Unhappily, it introduces four further problems. The first is that the Mox process generates still more nuclear waste. The second is that, like every other aspect of the nuclear industry, it costs far more to produce, when all expenses are taken into account, than it can ever recoup. The third is that hardly anyone wants to buy it, as most nuclear power stations use the safer and much cheaper low-enriched uranium. The fourth is that the only certain market is on the other side of the world.

Japan has its own warped institutional reasons for engaging in this trade. Its fast breeder programme, which was to have used the plutonium extracted from the waste it sent to Sellafield for reprocessing, collapsed after an accident in 1995. But it remains contractually bound to BNFL to re-import its plutonium. So it has asked the company to turn it into Mox, which it can use (at considerable hazard) in its light water reactors.

The dirty bombs BNFL is about to launch onto the high seas will be, it hopes, among the first of many. To avoid creating the impression that this freight might possibly be dangerous, Japan has insisted that the ships have no military escort. They have weapons on board, but neither the radar-guided anti-missile defences nor the speed required to evade an attack from a fast boat.

To spread plutonium across an entire region, terrorists need only send a missile or boat like the one Bin Laden used to attack the USS Cole, equipped with the right explosives, into the side of one of the freighters. The Mox fuel is stored in containers which can resist temperatures of 800C for 30 minutes. Fires on ships, as the Ecologist magazine has pointed out, can burn for 24 hours at 1000C.

Stealing the material is a matter of overwhelming the 26 British policemen on board and blowing the hatches off, a task well within the capabilities of several terrorist groups and all of the world's aspirant nuclear states. The plutonium and uranium can be separated with chemical processes less taxing than the manufacture of designer drugs.

So the United Kingdom and Japan are investing billions in security, and billions in insecurity. Neither government dares challenge the nuclear monster it has created. Using taxpayers' money to charm, cajole and threaten both the government and the taxpayer, this self-serving, self-reproducing industry, which makes nothing which could not be made more cheaply elsewhere, has secured such resources, such concessions, such flat contradictions of policy that we have ended up sponsoring the major threat to our own security.

When power resides with private companies, the British government will nest with them and raise their young. When it resides with a state-owned monster which would not have looked out of place in Brezhnev's Russia, the same government will happily mate with that monster. One moment it will warn of such threats to our security that the police must have access to our email accounts, protesters must be classified as terrorists and Afghanistan must be bombed; the next it will dismiss such concerns as nonsense in order to ship plutonium round the world in civilian freighters.

The nuclear industry must be destroyed before it destroys us. We must, in other words, wrench political power away from nuclear power.

 

 

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