O planeta de todos delimitado por poucos

 

 


Jeremy Rifkin*
entrevista a Luca Landò, do jornal l’Unità

13 de junho de 2002

Tradução Imediata

O futuro? Está todo no ar. Porque é exatamente ali, na atmosfera que circunda o Planeta, que se esconde o grande sonho da globalização: transformar o mundo, todo o mundo, em um negócio gigantesco. Começando exatamente pelo ar.

Pelo menos é esta a opinião de Jeremy Rifkin, economista e ambientalista, mas sobretudo "estudioso do futuro", como ele próprio se define: alguém que estuda o presente para entender o que acontecerá nos próximos dez ou vinte anos. E aquilo que poderá acontecer é a privatização do ar. Aliás, das ondas eletromagnéticas que permeiam a atmosfera.

"Eu sei, ninguém dá muita importância a essas ondas invisíveis, todavia deveríamos lembrar que o espectro eletromagnético é considerado um bem público, controlado e administrado pelos governos dos vários países que, por sua vez, concedem licenças para a utilização das diversas frequências de rádio."

Tudo isso, afirma Rifkin, poderia começar a mudar nos próximos anos, pois está sendo colocada em ação a tentativa, por parte das grandes empresas, de adquirir o pleno controle do inteiro espectro de frequências.

"Em fevereiro passado, importantes economistas americanos solicitaram à Comissão Federal para as Comunicações a possibilidade de subalugarem a terceiros as frequências que o governo lhes havia concedido. A carta passou despercebida, mas se o pedido for aprovado, vai acontecer algo muito importante e perigoso: as comunicações via rádio não serão mais controladas pelo Estado, mas por particulares."

É importante ser muito claro, adverte Rifkin: "Se as frequências de rádio do Planeta passarão a ser possuídas e controladas pelos gigantes da mídia, estou pensando na Aol-Times, Warner, Bertelsmann, Sony ou Fininvest, como poderemos garantir o direito fundamental de comunicar aos bilhões de indivíduos que vivem na Terra?

Naturalmente, quem poderá pagar será conectado. Mas o que acontecerá com aqueles 62 por cento que nunca deram um telefonema e aqueles 40 que nem dispõem de energia elétrica? E como garantir a presença de pontos de vista diferentes se a cultura será, efetivamente, controlada por poucas indústrias globais?"

Uma visão à la Orwell, mas estamos certos de que não se trata de uma preocupação tipicamente ocidental?

"Se enfrentamos o tema da distribuição dos recursos, é instintivo falar de pobreza, de fome, de falta de assistência médica e medicamentos. Mas é isso o que a globalização tem produzido até agora. Do jeito que estão indo as coisas, creio que chegou o momento de nos empenharmos em duas frentes: aquilo que já aconteceu e aquilo que irá acontecer."

Mesmo porque, diz Rifkin, a globalização é uma coisa velha. "Que Bush que nada, que Monsanto que nada. Quem mandou o Planeta pro espaço foram os ingleses no tempo dos Tudor."

Como?

"Antes de então, a Europa, toda a Europa, estava organizada de modo comunitário: as pastagens eram um bem comum, a agricultura era gerenciada em comum, os vilarejos eram uma verdadeira comunidade. Não era o melhor dos mundos, provavelmente, mas era uma forma de vida sustentável. Durou por mais de seis séculos e teria podido durar por mais tempo."

E em vez disso?

"Em vez disso, em 1500, na Inglaterra dos Tudor, justamente, houve uma grande mudança. Alguns banqueiros e aristocratas decidiram que as terras podiam ser utilizadas com outros objetivos: não para cultivar o trigo com o qual alimentar a população local, mas para criar carneiros que davam lã. E com a lã poderiam produzir tecidos, começar comércios, encaminhar exportações. Pouco tempo depois, nas pastagens, começaram a aparecer os recintos cercados. Mas o pior é que, procedendo dessa forma, o Planeta inteiro passou a ser demarcado com cercas." Nesses cinco séculos, passamos a demarcar tudo: a terra, os oceanos, o ar; estabelecemos fronteiras regionais, fronteiras nacionais, águas territoriais, espaços aéreos. E ainda não acabou: graças às novas tecnologias da informática e da biologia, estamos prontos para colocar fronteiras até no patrimônio genético e nas ondas de rádio através das quais comunicamos.

"Por cinco séculos, o que o Ocidente mais fez foi plantar paus e levantar estacas. O resultado? O envenenamento do Planeta. O efeito-estufa, o buraco do ozono, as chuvas ácidas, as extinções, o desmatamento, a desertificação. A causa é sempre a mesma: as demarcações que plantamos."

Privatizamos o ambiente e o exploramos sem nenhuma regra e sem nenhum limite.

"Tomemos o efeito-estufa: não é um acidente, não é um experimento mal sucedido. É a conta do restaurante, é aquilo que temos que pagar no fim daquele fasto banquete que chamamos de era industrial. E como todas as contas a pagar, é uma dívida: uma dívida atmosférica cujas cifras estão escritas acima das nuvens, em termos de anidrido carbônico, metano, clorofluorocarbonetos, óxidos de azoto. Claro, as crises ambientais sempre existiram, mas ocorriam a nível local. As que estamos verificando agora, ao contrário, são crises globais. Demos um pulo de qualidade. Em menos de 500 anos, os seres humanos mandaram para o espaço a bioquímica de todo um planeta. Que Everest que nada, que conquista dos pólos que nada: acima de qualquer julgamento de ordem moral, foi esse o maior empreendimento realizado pelo homem."

Os resultados são aqueles que lemos todos os dias nos jornais. São os super-furacões de nova geração, cinquenta porcento mais fortes daqueles tradicionais e que a cada ano devastam as costas oceânicas; é aquele buraco do ozono que, aumentando, deixa penetrar mais raios ultravioletas e aumenta a incidência do câncer de pele. E mais, é o ritmo com que procede a extinção da biomassa: a cada minuto, a cada sessenta segundos desaparece uma espécie viva; nos próximos nove anos teremos perdido quinze porcento das espécies animais e vegetais. Trata-se um verdadeiro ecocídio, citando o título do último livro de Rifkin.

E o que fazem as pessoas?

"Há quatro tipos de reações. A primeira é aquela de quem diz: "Não é verdade, não está acontecendo nada." A segunda: "Algo está acontecendo, mas é tão grande, tão forte, que não posso fazer nada." A terceira: "Não posso fazer nada, mas tenho certeza que alguém, em algum lugar, vai fazer alguma coisa: os cientistas da General Electric, da General Motors, da General Dynamics sabem o que estão fazendo e certamente acharão o modo de consertar tudo."

É claro que nenhuma dessas três reações levará a nada de útil. "A única alternativa é um verdadeiro pulo de nível de consciência ou, se preferirem, de ciência, da parte de toda uma geração. Trata-se de começar a ver as coisas de um outro ponto de vista: parar de pensar cada um por si, ou como um grupo, ou como uma nação. Devemos pensar como espécie."

Fascinante, mas sinceramente faz lembrar o filme do Tom Cruise: Missão Impossível.

"Vou responder com uma pergunta: quem, há vinte anos atrás, pensava que os tijolos do muro de Berlim estariam um dia à venda na Bloomingdale’s por dez dólares cada? Ou que um escritor de comédias se tornaria presidente da Tchecoslováquia? Os acontecimentos tomaram um passo tão rápido, a última coisa que se deve fazer, é ficar parado olhando. É necessário agir. Mas sobretudo pensar de uma maneira diferente, reexaminando alguns dos conceitos básicos da nossa sociedade."

Por exemplo?

"A eficiência. É um conceito que nasceu na termodinâmica, no fim do século dezenove: significava o resultado máximo no mínimo de tempo e com o mínimo trabalho e energia. Um conceito científico, portanto, mas que foi aplicado rapidamente ao mundo do trabalho, antes por Taylor e depois por Ford. E os tempos de absorção e reciclagem, não podem ser inseridos naquela equação de maximização de resultado com o mínimo de esforços. O mundo viaja ao passo da sustentabilidade, que é o oposto da eficiência."

A solução?

"O compromisso," diz Rifkin. Um acordo que permita produzir e construir, mas levando-se em conta que os tempos a serem respeitados são aqueles do Planeta, não aqueles da Ford. "No lugar da palavra eficiência, devemos usar o termo suficiência. Na Itália, vocês têm uma esplêndida metáfora e está representada pelas catedrais de Roma ou pelas casas de Siena: foram construídas empregando-se muito tempo, muito trabalho, muita energia. E muito dinheiro. De um ponto de vista termodinâmico, ou seja, de eficiência, são um verdadeiro desastre. Mas estão aí até hoje. E parece que vão durar ainda muitos séculos, ao contrário de muitas construções que surgiram de um modo ‘eficiente’, no prazo de algumas semanas." A filosofia do descartável não faz mais sentido, diz Rifkin, mesmo porque estamos testemunhando uma importante novidade: o despertar da sociedade civil, que bate com insistência à porta de quem decide. "Até alguns anos atrás, as decisões, mesmo as globais, eram tomadas em mesas com somente duas cadeiras: de um lado a economia, de outro a política. Depois de Seattle, Praga, Davos, as coisas mudaram e mudarão ainda mais em Gênova. Naquela mesa, mais cedo ou mais tarde, terá que ser adicionada uma terceira cadeira."

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*Jeremy Rikkin é economista, autor de "O Fim dos Empregos", "O século da Biotecnologia" e "A Era do Acesso", entre outros.

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