Paradoxos

 

 


Eduardo Galeano
Rebelion.org

20 de outubro de 2002

Tradução Imediata

A metade dos brasileiros é pobre ou muito pobre, porém o país de Lula é o segundo mercado mundial das canetas Montblanc e o nono comprador de carros Ferrari, e as lojas Armani de São Paulo vendem mais que as de Nova York.

Pinochet, o verdugo de Allende, rendia homenagem à sua vítima cada vez que falava do "milagre chileno". Ele nunca o confessou, tampouco o disseram os governantes democráticos que vieram depois, quando o "milagre" se converteu em "modelo": o que seria do Chile se o cobre não fosse chileno, a viga-mestra da economia, que Allende nacionalizou e que nunca foi privatizado?

Foi na América onde nasceram, e não na Índia, os nossos índios. Também o peru e o milho nasceram na América, e não na Turquia, porém a língua inglesa chama de ‘turkey’ o peru e a língua italiana chama de ‘granturco’ o milho.

O Banco Mundial elogia a privatização da saúde pública na Zâmbia: "É um modelo para a África. Já não há filas nos hospitais". O diário The Zambian Post completa a idéia: "Já não há mais filas nos hospitais, porque as pessoas morrem em casa".

Há quatro anos, o jornalista Richard Swift chegou aos campos do oeste de Gana, onde se produz cacau barato para a Suíça. Na mochila, o jornalista levava umas barras de chocolate. Os cultivadores de cacau nunca tinham experimentado o chocolate. Ficaram encantados.

Os países ricos, que subsidiam sua agricultura a um ritmo de um bilhão de dólares por dia, proibem os subsídios à agricultura nos países pobres. Colheita recorde nas margens do rio Mississippi: o algodão estadunidense inunda o mercado mundial e derruba o preço. Colheira recorde no rio Níger: o algodão africano paga tão pouco que nem vale a pena colhê-lo.

As vacas do norte ganham o dobro do que os camponeses do sul. Os subsídios que recebe cada vaca na Europa e nos Estados Unidos são o dobro da quantidade de dinheiro que ganha, na média, por um ano inteiro de trabalho, cada agropecuarista dos países pobres.

Os produtores do sul acodem, desunidos, o mercado mundial. Os compradores do norte impõem preços de monopólio. Desde que, em 1989, morreu a Organização Internacional do Café, e acabou o sistema de quotas de produção, o preço do café anda rastejando. Nesses últimos tempos, pior do que nunca: na América Central, quem semeia o café, colhe a fome. Porém, não foi rebaixado, nem um pouquinho, que eu saiba, o que se paga para bebê-lo.

Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto..

Joshua Slocum, o primeiro homem que deu a volta ao mundo navegando solitário, não sabia nadar.

Exitem no mundo tantos famintos quanto gordos. Os famintos comem lixo nas lixeiras; os gordos comem lixo no McDonald’s.

O progresso infla. Rarotonga é a mais próspera das ilhas Cook, no Pacífico sul, com assustadores índices de crescimento econômico. Porém o mais assustador é o crescimento da obesidade entre seus homens jovens. 40 anos atrás, 11 de cada 100 eram gordos. Hoje, são gordos todos.

Desde que a China se abriu para essa coisa que chamam de "economia de mercado", o menu tradicional de arroz com verduras foi velozmente substituído por hambúrgueres. O governo chinês não teve outro remédio que declarar a guerra contra a obesidade, convertida em epidemia nacional. A campanha de propaganda difunde o exemplo do jovem Lian Shun, que emagreceu 115 quilos no ano passado.

A frase mais famosa atribuída a Don Quixote ("Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos") não aparece na novela de Cervantes; e Humphrey Bogart não diz a frase mais atribuída ao filme Casablanca (Play it again, Sam).

Ao contrário do que se crê, Ali Babá não era o chefe dos 40 ladrões, mas seu inimigo; e Frankestein não era o monstro, mas seu involuntário inventor.

À primeira vista, parece incompreensível, e à segunda vista, também: onde mais progride o progresso, mais horas as pessoas trabalham. A enfermidade por excesso de trabalho conduz à morte. Em japonês, chama-se karoshi. Agora, os japoneses estão incorporando outra palavra ao dicionário da civilização tecnológica: karojsatsu é o nome dos suicídios por hiper-atividade, cada vez mais frequentes.

Em maio de 1998, a França reduziu a semana de trabalho de 39 para 35 horas. Essa lei não só resultou eficaz contra a desocupação, como também deu um exemplo de rara sanidade, neste mundo que perdeu um parafuso, ou vários, ou todos: para que servem as máquinas, se não reduzem o tempo humano de trabalho? Porém os socialistas perderam as eleições e a França retornou à anormal normalidade de nosso tempo. Já se está evaporando a lei que tinha sido ditada pelo sentido comum.

A tecnologia produz melancias quadradas, frangos sem penas e mão-de-obra sem carne nem osso. Em certo número de hospitais dos Estados Unidos, os robôs cumprem as tarefas de enfermaria. Segundo o diário The Washington Post, os robôs trabalham 24 horas por dia, porém, não podem tomar decisões, porque carecem de sentido comum: um involuntário retrato do operário exemplar no mundo que vem..

Segundo os evangelhos, Criso nasceu quando Herodes era rei. Como Herodes morreu quatro anos antes da era cristã, Cristo nasceu pelo menos quatro anos antes de Cristo.

Com trovões de guerra se celebra, em muitos países, a Noite Feliz. Noite de paz, noite de amor: os morteiros enlouquecem os cachorros e deixam surdos as mulheres e os homens de boa vontade.

A cruz suástica, que os nazistas identificaram com a guerra e a morte, tinha sido símbolo de vida na Mesopotâmia, na Índia, e na América.

Quando George W. Bush propôs abater as florestas para acabar com os incêndios florestais, não foi compreendido. O presidente parecia mais incoerente do que de costume. Porém ele estava sendo consequente com suas idéias. São seus santos remédios: para acabar com a dor de cabeça, deve ser decapitado o sofredor; para salvar o povo do Iraque, vamos bombardeá-lo até fazer dele um purê.

O mundo é um grande paradoxo que gira no universo. Neste passo, daqui a pouco os proprietários do planeta proibirão a fome e a sede, para que não faltem nem pão nem água.

 

Paradoxes

by Eduardo Galeano

rebelion.org

[Translated by Francisco Gonzalez]

Half of the population of Brazil lives in poverty or in extreme poverty, yet Lula's country is the world's second market for Montblanc fountain pens, and the ninth largest buyer of Ferraris. Armani shops in Sao Paulo sell more than in New York.

Allende's executioner, Pinochet, paid homage to his victim every time he spoke of the "Chilean miracle." Pinochet never confessed it, nor has it been mentioned by the democratic rulers who came after him, when the "miracle" became the "model"--but what would happen to Chile if its copper were not Chilean? The copper industry--the central roof beam of the Chilean economy--was nationalized by Allende, never to be privatized again.

Our Indians were born in the American continent, not in India. Turkeys and corn are also American, despite the name the English language has given this bird, and the fact that corn is called "Turkish grain" [granoturco] in Italian.

The World Bank praises the privatization of public health in Zambia: "It is a model for the rest of Africa. There are no more waiting lines at hospitals." The Zambian Post daily completes the idea: "There are no more waiting lines at hospitals because now people die at home."

Four years ago, journalist Richard Swift arrived in the fields of western Ghana, were cheap cocoa is harvested to be shipped to Switzerland. The journalist carried some chocolate bars in his backpack. The native harvesters had never tasted chocolate before. They loved it.

Rich countries, which subsidize their agriculture at the tune of millions of dollars per day, forbid agricultural subsidies in the poor countries. A record harvest by the Mississippi river floods the world cotton markets and causes prices to collapse. A similar harvest near the Niger river pays so little the corn is not even worth picking.

The cows of the North earn twice as much as the peasants of the South. The subsidies received by each cow in Europe and the United States double the average salary earned by peasants in the poor countries for a whole year of work.

Producers from the South go to the world markets in disunity, while sellers from the North impose monopoly prices. Since the World Coffee Organization disappeared, ending production quotas, the price of coffee has hit rock bottom, and lately it's been worse than ever: in Central America, those who sow coffee reap hunger. But the price one pays for drinking it hasn't dropped at all.

Charlemagne, founder of the first great European library, was illiterate.

Joshua Slocum, the first man to sail solo around the globe, did not know how to swim.

The world contains as many hungry people as obese. The hungry eat garbage from garbage cans; the obese eat garbage from McDonald's.

Progress causes bloating. Rarotonga is the most prosperous of the Cook islands, in the South Pacific. It has amazing economic growth rates. But even more amazing is the growth of obesity among its youth. Forty years ago, eleven out of 100 of them were fat. Now all of them are fat.

Ever since China opened up to the so called "market economy," its traditional menu of rice and vegetables has been speedily overtaken by hamburgers. The Chinese Government had no choice but to declare war on obesity, which is now a national epidemic. The advertising campaign publicizes the example of Liang Shun, a young man who lost 115 kg (253 lbs) last year.

The best-known line attributed to Don Quixote ("They are barking, Sancho; it's a sign that we are moving") does not appear at all in Cervantes' novel. Humphrey Bogart does not say the most famous line ("Play it again, Sam") attributed to him in the movie Casablanca.

Contrary to what is commonly believed, Ali Baba was not the leader of the 40 thieves, but their enemy; and Frankenstein was not the monster, but its inventor.

On first thought it seems incomprehensible, and on second thought as well: in the places where progress has progressed the most, people work the longest hours. The illness caused by too much work leads to death. It is called karoshi in Japanese. Now the Japanese are adding yet another word to the dictionary of technological civilization: karojsatsu is the name given to suicides caused by hyperactivity, an increasingly frequent occurrence.

In May of 1998, France reduced the work week from 39 to 35 hours. Not only did such a measure prove effective against unemployment, but it also provided a rare instance of sanity in a world that has got a screw loose--or several, or all of them. For what is the use of machines if they can't reduce the amount of time humans spend at work? But the Socialists lost the elections and things in France went back to normal, so a law that had been dictated by common sense is already on its way out.

Technology produces cubic-shaped watermelons, featherless chickens, and a lifeless labor force. In a few hospitals in the United States robots already take on some nursing tasks. According to the Washington Post, robots work 24 hours a day, but they cannot make decisions because they lack common sense--an unwitting portrait of the ideal worker in the world to come.

According to the Gospel, Christ was born during the reign of king Herod. Since Herod died in 4 BC, Christ was born at least four years before himself.

Christmas Eve is celebrated in many countries with thundering salvos. Silent night; holy night! The sound of the fireworks drives dogs insane and deafens women and men of good will.

The swastika, which the Nazis identified with war and death, had been a symbol of life in Mesopotamia, India and America.

When George W. Bush suggested that forests be cut down in order to end forest fires, he was misunderstood. The President seemed a bit more incoherent than usual, but he was being consistent with his ideas. These are his holy remedies: to cure a headache, we shall behead the sufferer; to save the people of Iraq, we will bomb it to a pulp.

Our world is a great paradox that turns around in the universe. At the rate we are going, the owners of the planet will soon outlaw hunger and thirst in order to forestall shortages of food and water.

20 de octubre de 2002

 

Paradojas

Eduardo Galeano

La Jornada

La mitad de los brasileños es pobre o muy pobre, pero el país de Lula es el segundo mercado mundial de las lapiceras Montblanc y el noveno comprador de autos Ferrari, y las tiendas Armani de Sao Paulo venden más que las de Nueva York.

Pinochet, el verdugo de Allende, rendía homenaje a su víctima cada vez que hablaba del "milagro chileno". El nunca lo confesó, ni tampoco lo han dicho los gobernantes democráticos que vinieron después, cuando el "milagro" se convirtió en "modelo": ¿qué sería de Chile si no fuera chileno el cobre, la viga maestra de la economía, que Allende nacionalizó y que nunca fue privatizado?

En América nacieron, no en la India, nuestros indios. También el pavo y el maíz nacieron en América, y no en Turquía, pero la lengua inglesa llama turkey al pavo y la lengua italiana llama granturco al maíz.

El Banco Mundial elogia la privatización de la salud pública en Zambia: "Es un modelo para el Africa. Ya no hay colas en los hospitales". El diario The Zambian Post completa la idea: "Ya no hay colas en los hospitales, porque la gente se muere en la casa".

Hace cuatro años, el periodista Richard Swift llegó a los campos del oeste de Ghana, donde se produce cacao barato para Suiza. En la mochila, el periodista llevaba unas barras de chocolate. Los cultivadores de cacao nunca habían probado el chocolate. Les encantó.

Los países ricos, que subsidian su agricultura a un ritmo de mil millones de dólares por día, prohíben los subsidios a la agricultura en los países pobres. Cosecha récord a orillas del río Mississippi: el algodón estadunidense inunda el mercado mundial y derrumba el precio. Cosecha récord a orillas del río Níger: el algodón africano paga tan poco que ni vale la pena recogerlo.

Las vacas del norte ganan el doble que los campesinos del sur. Los subsidios que recibe cada vaca en Europa y en Estados Unidos duplican la cantidad de dinero que en promedio gana, por un año entero de trabajo, cada granjero de los países pobres.

Los productores del sur acuden desunidos al mercado mundial. Los compradores del norte imponen precios de monopolio. Desde que en 1989 murió la Organización Internacional del Café y se acabó el sistema de cuotas de producción, el precio del café anda por los suelos. En estos últimos tiempos, peor que nunca: en América Central, quien siembra café cosecha hambre. Pero no se ha rebajado ni un poquito, que yo sepa, lo que uno paga por beberlo.

Carlomagno, creador de la primera gran biblioteca de Europa, era analfabeto.

Joshua Slocum, el primer hombre que dio la vuelta al mundo navegando en solitario, no sabía nadar.

Hay en el mundo tantos hambrientos como gordos. Los hambrientos comen basura en los basurales; los gordos comen basura en McDonald's.

El progreso infla. Rarotonga es la más próspera de las islas Cook, en el Pacífico sur, con asombrosos índices de crecimiento económico. Pero más asombroso es el crecimiento de la obesidad entre sus hombres jóvenes. Hace 40 años eran gordos 11 de cada 100. Ahora, son gordos todos.

Desde que China se abrió a esta cosa que llaman "economía de mercado", el menú tradicional de arroz con verduras ha sido velozmente desplazado por las hamburguesas. El gobierno chino no ha tenido más remedio que declarar la guerra contra la obesidad, convertida en epidemia nacional. La campaña de propaganda difunde el ejemplo del joven Liang Shun, que adelgazó 115 kilos el año pasado.

La frase más famosa atribuida a Don Quijote ("Ladran, Sancho, señal que cabalgamos") no aparece en la novela de Cervantes; y Humphrey Bogart no dice la frase más famosa atribuida a la película Casablanca (Play it again, Sam).

Contra lo que se cree, Alí Babá no era el jefe de los 40 ladrones, sino su enemigo; y Frankenstein no era el monstruo, sino su involuntario inventor.

A primera vista, parece incomprensible, y a segunda vista, también: donde más progresa el progreso, más horas trabaja la gente. La enfermedad por exceso de trabajo conduce a la muerte. En japonés se llama karoshi. Ahora los japoneses están incorporando otra palabra al diccionario de la civilización tecnológica: karojsatsu es el nombre de los suicidios por hiperactividad, cada vez más frecuentes.

En mayo de 1998, Francia redujo la semana laboral de 39 a 35 horas. Esa ley no sólo resultó eficaz contra la desocupación, sino que además dio un ejemplo de rara cordura en este mundo que ha perdido un tornillo, o varios, o todos: ¿para qué sirven las máquinas, si no reducen el tiempo humano de trabajo? Pero los socialistas perdieron las elecciones y Francia retornó a la anormal normalidad de nuestro tiempo. Ya se está evaporando la ley que había sido dictada por el sentido común.

La tecnología produce sandías cuadradas, pollos sin plumas y mano de obra sin carne ni hueso. En unos cuantos hospitales de Estados Unidos los robots cumplen tareas de enfermería. Según el diario The Washington Post, los robots trabajan 24 horas por día, pero no pueden tomar decisiones, porque carecen de sentido común: un involuntario retrato del obrero ejemplar en el mundo que viene.

Según los evangelios, Cristo nació cuando Herodes era rey. Como Herodes murió cuatro años antes de la era cristiana, Cristo nació por lo menos cuatro años antes de Cristo.

Con truenos de guerra se celebra, en muchos países, la Nochebuena. Noche de paz, noche de amor: la cohetería enloquece a los perros y deja sordos a las mujeres y los hombres de buena voluntad.

La cruz esvástica, que los nazis identificaron con la guerra y la muerte, había sido un símbolo de la vida en la Mesopotamia, la India y América.

Cuando George W. Bush propuso talar los bosques para acabar con los incendios forestales, no fue comprendido. El presidente parecía un poco más incoherente que de costumbre. Pero él estaba siendo consecuente con sus ideas. Son sus santos remedios: para acabar con el dolor de cabeza, hay que decapitar al sufriente; para salvar al pueblo de Irak, vamos a bombardearlo hasta hacerlo puré.

El mundo es una gran paradoja que gira en el universo. A este paso, de aquí a poco los propietarios del planeta prohibirán el hambre y la sed, para que no falten el pan ni el agua.

 

 

Envie um comentário sobre este artigo