A corda

 

 


Eduardo Galeano
Koeyú Latinoamericano

10 de agosto de 2002

Tradução Imediata

Será que somos assim tão comovedores? O presidente Bush comoveu-se com o drama do Uruguai, embora não exista nenhum indício de que ele possa situar o nosso país no mapa. Será que lhe tocou o coração a abnegação do nosso presidente, esse bom homem sempre pronto a servir na primeira linha de fogo contra Cuba, Argentina, ou seja o que for que o mandarem fazer? Quem sabe. O fato é que Bush disse: "Temos que dar-lhe uma mão". E em seguida, exatamente a mesma coisa foi dita pelos organismos internacionais de crédito, que cumprem a nobre função de papagaio no ombro do pirata.

Então, nossos legisladores se reuniram numa corrida contra o relógio. E em sua maioria, uma maioria surda a qualquer discussão, votaram pela lei que desfere o golpe de graça aos bancos públicos. A lei estava bem fundamentada: ou a lei é aprovada ou a grana não será liberada.

E torceram os pescoços, esperando o avião que vinha do céu. Os dólares não viajaram de avião, porém chegaram: "um milhão e meio de dores", disse o embaixador dos Estados Unidos, o qual não fala uma palavra de espanhol. O erro confessou a verdade.

***

Desde o berço, os países latino-americanos nasceram à vida independente hipotecados pelos bancos britânicos.

Dois séculos depois, um taxista de Montevidéu me comenta: "Dizem que Deus proverá. Crêem que Deus dirige o Fundo Monetário Internacional".

Com o tempo, fomos mudando de credores. E agora devemos muito mais. Quanto mais pagamos, mais devemos; e quanto mais devemos, menos decidimos. Sequestrados pelos bancos estrangeiros, já não podemos nem respirar sem permissão. Nós latino-americanos vivemos para pagar os chamados "serviços da dívida", a serviço de uma dívida que se multiplica como uma coelha. A dívida cresce de quatro dólares para cada novo dólar que recebemos, porém celebramos cada novo dólar como se fosse um milagre. É como se a corda, destinada a apertar o pescoço, pudesse servir para nos levantar do fundo do poço.

***

Há uns quatro anos, o Uruguai está dedicado a deixar de ser uma país para converter-se em um banco com praias. E os Estados Unidos acabam de nos confirmar, pela boca do embaixador, essa função e esse destino.

É assim que estão indo as coisas. Um país de serviços, ou país que renuncia a ser país para entrar pela porta de serviço no mundo globalizado? Linda maneira de nos integrarmos ao mercado, que nos integra desintegrando-nos. Os bancos se fundem, enquanto os banqueiros se enriquecem. O governo, governado, simula que governa. Fábricas fechadas, campos vazios: produzimos mendigos e polícia. E emigrantes. A cada noite, na rua, faz fila a multidão que busca passaporte. Os jovens desandam, em direção à Espanha, à Itália, seja aonde for, percorrendo o caminho que seus avós fizeram, ao contrário.

***

A poupança é a base da fortuna dos banqueiros, que a usurpam. Esse cinema contínuo oferece, há anos, o mesmo filme: bancos esvaziados pelos seus donos, passivos incobráveis que se descarregam sobre a sociedade inteira. Amparados pelo segredo bancário, os magos das finanças fazem desaparecer o dinheiro como a ditadura fazia desaparecer as pessoas. Suas realizações bem-sucedidas deixam os poupadores estressados e os empregados na incerteza, e uma dívida pública que cobra de todos a fraude de poucos.

Os bancos privados, que mereceram tantas operações de salvamento milionárias, emprestam dinheiro a quem já o têm e não a quem precisa, e estão cada vez mais divorciados da produção e do trabalho, ou da pouca produção e do pouco trabalho que ainda nos restam. Porém, essa praça financeira extraterrestre acaba de ser recompensada pela nova lei que fere mortalmente os bancos do estado.

Se continuarmos assim, não faltará muito para que as empresas públicas acabem sendo a única moeda de pagamento para quitar os vencimentos da impagável dívida externa. Será algo assim como uma execução do estado, fuzilado pelos credores. E pouco importará, então, a vontade popular, que há dez anos se manifestou contra as privatizações em um plebiscito, com mais de setenta porcento dos votos.

***

Mais Estado, menos Estado, quase nenhum Estado? Um Estado reduzido às funções de vigilância e castigo? Castigo de quem?

A ditadura financeira internacional obriga o desmantelamento do Estado, porém somente a omissão dos controle públicos pode explicar a escandalosa impunidade com que têm sido arrombados alguns dos bancos do Uruguai. "Os controladores não são adivinhos", justificou um deputado oficialista. O último dos responsáveis por essa tarefa não cumprida é um primo do presidente da república. Seus serviços para a nação foram recompensados com um outro alto cargo público.

Porém, o mais eloquente é a caída em cascata de umas certas empresas gigantes nos Estados Unidos. Afinal de contas, isso está ocorrendo no país que impõe a "desregulamentação", ou seja: a obrigação de fechar pelo menos um olho diante das sacanagens do mundo dos negócios. Acabam de acontecer ali as maiores bancarrotas da história, confirmando que a tal "desregulamentação" deixa as mãos livres para mentir e roubar em escala descomunal. Enron, WorldCom e outras corporações puderam realizar com toda a facilidade suas falcatruas colossais, fazendo passar perdas por lucros e cometendo errozinhos contáveis de bilhões de dólares.

Parecem-me perigosas as medidas que agora anuncia o presidente Bush contra os executivos mentirosos e seus cúmplices. Se ele as aplicasse mesmo, e com retroatividade, poderiam acabar atrás das grades seja ele que quase todo o seu gabinete.

***

Até quando nós, os países latino-americanos, continuaremos aceitando as ordens do mercado como se fossem uma fatalidade do destino? Até quando continuaremos implorando esmolas, às cotoveladas, na fila dos suplicantes? Até quando continuará cada país apostando no salve-se quem puder? Quando acabaremos nos convencendo de que a indignidade não paga? Porque não formamos uma frente comum para defender nossos preços, se estamos cansados de saber que nos dividem para reinar? Porque não formamos uma frente, juntos, contra a dívida usurária? Que poder teria a corda se não encontrasse pescoço?

 

 

 

 

The Rope

by Eduardo Galeano

zmag

August 16, 2002

[Translated by Francisco González]

¿Do we really stir so much emotion in others? President Bush felt moved by the predicaments of Uruguay, even though there is no indication that he would be able find our country on a map. Could it be that he was touched by the abnegation of our own President--this good man ever so ready to stand in the forefront of attacks against Cuba and Argentina, or do whatever else he is told? Who knows. The fact is that Bush said: "We've got to lend them a hand". Whereupon the international lending organizations proceeded to repeat the exact same words, thus fulfilling the noble role of the parrot on the pirate's shoulder.

So then our legislators went into a meeting, in a race against the clock. And in no time at all they decided by majority (a majority impervious to any discussion) to enact the law that gives the coup de grace to state banking. The basis for this law was solid: either you enact it, or you don't get the money.

And necks bent upward in search of the plane coming from the sky. The dollars did not come by airplane, but they arrived. The U.S. ambassador to Uruguay, who does not speak a word of Spanish, described them as "one and a half billion pains [dolores]" His mistake revealed the truth.

***

When the Latin American countries acquired their independence, they were already mortgaged by British banks.

Two centuries later I hear the following comment by a Montevideo taxi driver: "They say 'the Lord will provide.' They believe that God manages the IMF".

In the course of time, our creditors changed. And now we owe a lot more. The more we pay, the more we owe, and the more we owe, the less power we have to decide what to do. Seized by foreign creditors, we can no longer breathe without permission. We Latin Americans live in order to pay so-called "debt service," in the service of a debt that multiplies like a colony of rabbits. The debt grows by four dollars for every new dollar we get, and yet we celebrate each new dollar as a godsend, as if the rope that is meant to tighten around our neck could ever be used to raise us from the bottom of the pit.

***

For several years now, Uruguay has been trying to stop being a country in order to become a bank with beaches. And the United States, through its ambassador, has just confirmed that this is indeed our function and our destiny.

No wonder we find ourselves in this situation. Are we trying to be a service country--or rather a country that gives up being a country in order to enter the globalized world through the servants' door? That's a fine way of integrating ourselves into the market, which integrates us by disintegrating us. And the government, being governed, pretends to govern. Closed factories, empty fields: we produce beggars and policemen. Crowds line up in the street, in the middle of the winter, trying to get a passport. The young leave and go to Spain, to Italy--anywhere--making again their grandparents' journey in the opposite direction.

***

Bankers make their fortunes by seizing savings. This movie house has been showing continuously the same film for the last few years: banks cleaned out by their owners; non-collectable liabilities that are dumped on society as a whole. Protected by banking secrecy laws, the financial wizards make money disappear the way the military dictatorship used to "disappear" people. Their accomplishments leave great numbers of people swindled of their savings, and a public debt that makes everyone pay for the fraud of a few.

Private banking, which has required so many millionaire rescue operations, lends money to those who already have it, and not to those who need it, and is increasingly removed from production and employment--or rather from the scant production and employment that we have left. But this extraterrestrial financial site has just been rewarded with the new law that delivers a fatal blow to state banking.

If we go on like this, it will be only a matter of time before our public companies become the only available currency for us to make payments on our unpayable foreign debt. It will be a kind of execution of the state by a firing squad of creditors. And then it won't matter much that 70% of voters expressed themselves against privatizations in a referendum 10 years ago.

***

More government? Less government? Almost no government? A government reduced to its functions of surveillance and punishment? Punishment of whom?

The international financial dictatorship imposes the dismantling of the State, but only the neglect of public controls can account for the scandalous impunity with which some Uruguayan banks have been plundered. "Controllers are not foretellers," justified a pro-government deputy. The last person among those responsible for this unfulfilled task is a cousin of the President. His services to the nation were rewarded with another high post in public office.

More eloquent still is the domino fall of a few giant corporations in the United States. After all, this is happening in the country that imposes the so-called "deregulation" upon others, in other words, the obligation to turn a blind eye when confronted with the skulduggery of the business world. The largest bankruptcies in history have just taken place there, confirming that this "deregulation" gives a free hand to deceit and theft at an extraordinary scale. Enron, WorldCom and other corporations were able to carry out huge swindling operations with complete ease, registering losses as earnings and making little accounting mistakes in the billion-dollar range.

It seems to me the measures that have now been announced by President Bush against deceptive executives and their accomplices are dangerous ones. If he were to really enforce them retroactively, he and most of his cabinet might end up in prison.

***

Until when will Latin American countries continue to accept the orders of the market as if they were the misfortunes of fate? Until when do we intend to go on pleading for alms while elbowing each other in the beggars' line? Until when will each country continue to function under the "every man for himself" kind of mode? When will we finally convince ourselves that selling one's dignity does not pay? Why don't we make a common front to defend our prices, since we know full well that we are being divided in order to be ruled upon? Why don't we make a common front against this usurious debt? What power would the noose have if it could not find a neck?

 

10 de agosto de 2002

 

La soga

Eduardo Galeano

Koeyú Latinoamericano

Rebelion.org

¿Somos tan conmovedores? El presidente Bush se ha conmovido con el drama del Uruguay, aunque no hay ningún indicio de que él pueda ubicar a nuestro país en el mapa. ¿Será que le tocó el corazón la abnegación de nuestro presidente, ese buen hombre siempre listo para servir en la primera línea de fuego contra Cuba, Argentina, o lo que gusten mandar? Quién sabe. El hecho es que Bush dijo: "Hay que echar una mano". Y a continuación dijeron exactamente lo mismo los organismos internacionales de crédito, que cumplen la noble función del papagayo en el hombro del pirata.

Entonces se reunieron, a contra reloj, nuestros legisladores. Y por mayoría, una mayoría sorda a cualquier discusión, votaron en un santiamén la ley que dispara el tiro de gracia a la banca pública. La ley estaba bien fundamentada: o aprueban esto o la plata no llega.

Y se torcieron los pescuezos buscando al avión que venía del cielo. Los dólares no viajaron en avión, pero llegaron: "mil quinientos millones de dolores", dijo el embajador de los Estados Unidos, que no habla una palabra de español. El error confesó la verdad.

***

En la cuna, los países latinoamericanos nacieron a la vida independiente hipotecados por la banca británica.

Dos siglos después, un taxista de Montevideo me comenta: "Dicen que Dios proveerá. Se creen que Dios dirige el Fondo Monetario".

Con el tiempo, hemos ido cambiando de acreedores. Y ahora debemos mucho más. Cuanto más pagamos, más debemos; y cuanto más debemos, menos decidimos. Secuestrados por la banca extranjera, ya no podemos ni respirar sin permiso. Los latinoamericanos vivimos para pagar los llamados "servicios de deuda", al servicio de una deuda que se multiplica como coneja. La deuda crece en cuatro dólares por cada nuevo dólar que recibimos, pero celebramos cada nuevo dólar como si fuera milagro. Y como si la soga, destinada a apretar el pescuezo, pudiera servir para alzarnos desde el fondo del pozo.

***

Desde hace unos cuantos años, el Uruguay está dedicado a dejar de ser un país para convertirse en un banco con playas. Y los Estados Unidos acaban de confirmarnos, por boca del embajador, esa función y ese destino.

Así nos va. ¿Un país de servicios, o un país que renuncia a ser país para entrar por la puerta de servicio al mundo globalizado? Linda manera de integrarnos al mercado, que nos integra desintegrándonos. Los bancos se funden, mientras los banqueros se enriquecen. El gobierno, gobernado, simula que gobierna. Fábricas cerradas, campos vacíos: producimos mendigos y policías. Y emigrantes. Hace cola toda la noche, en la calle, en pleno invierno, el gentío que busca pasaporte. Los jóvenes desandan, hacia España, hacia Italia, hacia donde sea, el camino que sus abuelos hicieron al revés.

***

El ahorro es la base de la fortuna de los banqueros que lo usurpan. Este cine continuado ofrece, desde hace años, la misma película: bancos vaciados por sus dueños, pasivos incobrables que se descargan sobre la sociedad entera. Amparados por el secreto bancario, los magos de las finanzas desaparecen el dinero como la dictadura militar desaparecía a las personas. Su exitosa faena deja un tendal de ahorristas estafados y de empleados en la incertidumbre, y una deuda pública que cobra a todos el fraude de pocos.

La banca privada, que ha merecido tantos salvatajes millonarios, presta dinero a quienes lo tienen y no a quienes lo necesitan, y está cada vez más divorciada de la producción y del trabajo, o de la poca producción y el poco trabajo que todavía nos quedan. Pero esta plaza financiera extraterrestre acaba de ser recompensada por la nueva ley que hiere de muerte a la banca del estado.

Si seguimos así, nada tendrá de raro que, más temprano que tarde, las empresas públicas terminen siendo nuestra única moneda de pago ante los vencimientos de la impagable deuda externa. Será algo así como una ejecución del estado, fusilado por los acreedores. Y poco importará, entonces, la voluntad popular, que hace diez años se expresó contra las privatizaciones, en un plebiscito, por más del setenta por ciento de los votos.

***

¿Más Estado, menos Estado, casi ningún Estado? ¿Un Estado reducido a las funciones de vigilancia y castigo? ¿Castigo de quiénes?

La dictadura financiera internacional obliga al desmantelamiento del Estado, pero sólo la omisión de los controles públicos puede explicar la escandalosa impunidad con que han sido desvalijados algunos bancos del Uruguay. "Los controladores no son adivinos", justificó un diputado oficialista. El último de los responsables de esa tarea incumplida es un primo del presidente de la república. Sus servicios a la nación fueron recompensados con otro alto cargo público.

Pero más elocuente resulta la caída en cascada de unas cuantas empresas gigantes en los Estados Unidos. Al fin y al cabo, ocurre en el país que impone a los demás la llamada "desregulación", o sea: la obligación de hacer la vista gorda ante los tejes y manejes del mundo de los negocios. Acaban de ocurrir, allí, las mayores bancarrotas de la historia, confirmando que la tal "desregulación" deja las manos libres para mentir y robar en escala descomunal. Enron, WorldCom y otras corporaciones pudieron realizar con toda facilidad sus estafas colosales, haciendo pasar pérdidas por ganancias y cometiendo errorcitos contables por miles de millones de dólares.

Me parecen peligrosas las medidas que ahora anuncia el presidente Bush contra los ejecutivos tramposos y sus cómplices. Si de veras las aplicara, y con retroactividad, podrían caer presos él y casi todo su gabinete.

***

¿Hasta cuándo los países latinoamericanos seguiremos aceptando las órdenes del mercado como si fueran una fatalidad del destino? ¿Hasta cuándo seguiremos implorando limosnas, a los codazos, en la cola de los suplicantes? ¿Hasta cuándo seguirá cada país apostando al sálvese quien pueda? ¿Cuándo terminaremos de convencernos de que la indignidad no paga? ¿Por qué no formamos un frente común para defender nuestros precios, si de sobra sabemos que se nos divide para reinar? ¿Por qué no hacemos frente, juntos, a la deuda usurera? ¿Qué poder tendría la soga si no encontrara pescuezo?

 

Envie um comentário sobre este artigo