CAMPANHA PROJETO infoAIDS para dia internacional de luta contra a AIDS/ de dezembro de 2003

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ARQUIVO CAMPANHAS ANTERIORES:

1° de dezembro 2002 (stop terror aids)

-1° de dezembro 2001 (contra a mercantilização da epidemia)

-primeiro semestre 2000 (endurecer com ternura e camisinha)

O Projeto infoAIDS pretende produzir campanhas ao longo do ano – sem periodicidade definida. Além de aprofundar as relações entre comunicação e prevenção, infoAIDS disponibilizará, no formato PDF, o poster da campanha, para que instituições, escolas, ONGs, programas de prevenção — sem condições para elaborar sua campanha — possam utilizar o material dentro do seu próprio contexto: aplicando-o integralmente ou modificando-o para que se adapte melhor às respectivas realidades.

As relações entre AIDS e comunicação sempre foram difíceis desde o início da epidemia. Preconceitos, desinformação, pânico, marcaram as primeiras tentativas de abordagem do tema nas campanhas institucionais. A complexidade do fenômeno, aliado à ansiedade de se tentar mudar comportamentos rapidamente e a qualquer custo, criaram uma espécie de obstáculo para o tratamento da informação sobre AIDS — que já foi definida nos anos 80 como uma epidemia de falta de informação.

Colagem da artista norte-americana Nancy Chunn, denunciando a falta de informações na capa do NYT de 1° de dezembro de 1995, dia internacional de luta contra a AIDS

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A partir da década de 90 aconteceu com a Aids o mesmo fenômeno que já atingia todas as esferas da vida. Ou seja, a sua transformação num produto. No caso dos megalaboratórios que fabricam remédios do chamado coquetel anti-aids, a mercantilização de aspectos da epidemia é patente.

A última polêmica, publicada no site Salon, foi criada pela FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos). A agência acha que, embora seja verdade que cada vez mais soropositivos estejam reagindo bem ao tratamento com as drogas anti-retrovirais, os anúncios dirigidos aos consumidores estão induzindo o público a ter idéias equivocadas quanto à realidade da Aids. No último 27 de abril, a FDA deu prazo de 90 dias às empresas farmacêuticas para que mudem os anúncios. Numa carta direta, o chefe da divisão de marketing da FDA, Thomas Abrams, determinou que as companhias farmacêuticas terão de criar anúncios "mais representativos" da realidade da doença. Na carta, Abrams citou especificamente os anúncios que trazem "indivíduos robustos que realizam atividades extenuantes'' e "indivíduos de aparência saudável". A agência afirmou: "Promover medicamentos anti-HIV junto aos consumidores sem destacar as limitações dos usuários dos medicamentos ou usando imagens que não sejam representativas da maioria dos contaminados com o HIV constitui uma violação da Lei Federal de Alimentos, Drogas e Cosméticos". Entre os anúncios mais criticados figuram os dos medicamentos Crixivan e Combivir, reproduzidos abaixo.

O anúncio do Crixivan mostra três homens e uma mulher de porte atlético que acabam de escalar uma montanha, proeza que muitas pessoas totalmente saudáveis seriam incapazes de realizar. Crédito: reprodução

Mas mesmo entre os agentes publicitários encarregados das campanhas de prevenção percebe-se que, em muitos casos, não faz diferença se o tema é HIV/Aids ou um novo sabonete. Nesse sentido, os episódios da busca de um apelido para o pênis dos brasileiros (em 1995) e a campanha " Carnaval do Peru é Carnaval com Camisinha" (1997) são paradigmáticos.

Não se trata de argumentar que o dinheiro gasto nas pesquisas para a escolha do codinome ideal, que recaiu no Sr Bráulio e na posterior campanha (1995), poderia ser melhor investido em remédios para os soropositivos. Guardadas as devidas proporções, a esfera da comunicação também deve colocar todo o seu arsenal à disposição da luta contra a Aids. Ocorre que, ao mediatizar em excesso o membro masculino, ele parece ter ficado apenas naquele nível destinado à mídia espetacular. O Sr. Bráulio nunca conseguiu o papel de pênis — para alívio dos que foram batizados de Bráulio pelos pais. Mas, afinal, o importante não é permanecer na mídia ? Mas que mídia, e o que permanece na mídia ? E de que forma ?

Personagem — criado pela agência Master, em setembro de 1995 — conversa com seu pênis batizado de Bráulio, sobre o uso da camisinha. A campanha governamental provocou polêmica e protesto de brasileiros chamados Bráulio. Crédito: reprodução

Quando Bráulio saiu de cena, entrou na passarela o peru. Digo na passarela porque é no mês de fevereiro que se concentram as campanhas ministeriais, como se durante o resto do ano estivéssemos só nos guardando para quando o carnaval chegar, como diz o samba de Chico Buarque. Para o infectologista Caio Rosenthal, o veículo mais eficaz de que dispomos para alterar comportamento é a mídia. Se a mensagem for divertida, muito melhor. Torna-se popular. Campanhas que mostravam pessoas morrendo de Aids, trágicas e desfiguradas em vez de aproximar a população da causa da prevenção provocaram arrepios e repulsa. "Ora", diz Rosenthal, "não é preciso explicar mais nada. Chega de teoria e vamos à prática. O peru, sem desmerecer o pinto, é o mais famoso órgão genital masculino que se conhece. É a expressão mais divertida e popular para chamar o peru de peru".

O Dr. .Caio Rosenthal tem razão quando afirma que muita censura só faz bem para o HIV; de que a execução de um programa que seja politicamente correto e aceito de forma unânime é praticamente impossível; que é preciso aproveitar todas as oportunidades. Discordamos apenas que "na festa brasileira do vale-tudo, nada poderia ser mais oportuno do que usarmos o peru alegórico para lembrarmos de vestir a camisinha naquele de verdade". Muitos intermediários, para quem quer ser claro e direto. E o peru ficou só em exposição nos carros alegóricos, não desceu para a avenida. É o preço que se paga ao integrar o bloco do "vale-tudo".

Além disso, existem motivos estéticos a influir na análise, muito bem resumidos por Millôr Fernandes: "Tão ou mais lamentável do que a grotesca campanha do Bráulio é a atual campanha dos perus. Se o trocadilho palavra-imagem é mesmo o que estou pensando, se aquele peru representa mesmo o outro, é um peru velho, enrugado, pelancudo, incapaz de levantar a cabeça. Não precisa usar camisinha".

Por trás da nada sutil crítica de Millôr, parece estar a chave da questão. A necessidade de usar trocadilhos para se referir ao próprio corpo. Talvez seja esse mesmo o maior desafio que a epidemia está colocando: enfrentar a natureza humana e repensar as conexões com o próprio corpo, justamente na era da pseudo-conectividade total, lidando diretamente com os perigos e os prazeres das suas formas atuais e dos seus líquidos ocasionais. Nesse sentido, o maior concorrente, com ares de inimigo, não é a Aids, como quer fazer crer mais uma campanha do Ministério da Saúde, agora voltada para os empresários:

"Mais um concorrente para roubar seus melhores funcionários: a Aids", campanha veiculada em revistas de economia e negócios em 1998

Entende-se a necessidade de conscientizar o empresário de que é mais barato investir na prevenção do que custear tratamentos caríssimos, mas não em nome da ressureição da nefasta identificação da AIDS com inimigos mortais e tragédias, para usar um termo do Dr.Caio Rosenthal. De outro lado, uma das campanhas impressas no âmbito da prevenção à AIDS, concebida pelo polêmico Oliviero Toscani no início dos anos 90, prescinde de metáforas e de alegorias. Não se parte do conceito à coisa, mas da coisa em si a possíveis conceitos. Nessas fotos, a identificação é imediata. Percebe-se diretamente onde mora o perigo, e por onde ele entra. Para muitos, pareceu estranho e até imoral encarar assim tão de perto e com tanto destaque questões tão íntimas. No entanto nada convida à repulsa. Ao contrário, há extremo respeito pelo corpo do outro, condição básica para sugerir qualquer mudança de comportamento.

 

Exemplo da campanha do publicitário Oliviero Toscani — na época (1994) trabalhava para a empresa Benetton — que demonstra o esforço de eliminação dos intermediários entre público e principais informações sobre a epidemia da Aids