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Uma
das cenas iniciais do filme The Edukators (2004)
No
filme The Edukators (2004), dirigido por Hans Weingartner,
há um ritual que se repete. Dois jovens ativistas escolhem
casas da alta burguesia berlinense e, graças ao bloqueio
dos aparatos de vigilância, invadem as mansões, mudam
tudo de lugar e deixam uma mensagem grafitada: "os dias de fartura
estão chegando ao fim; assinado: edukators". Em seguida,
partem sem nada levar. Não se trata de uma ameaça
ou uma revolta contra o sistema. A dupla de "educadores", Jan e
Peter, propõe uma pedagogia baseada na construção
de um contra-senso, de um absurdo, de um disparate. A ação
é clara: criar uma instabilidade dos sujeitos e dos objetos.
O mundo do bom-senso e do senso comum, expresso na ordem e no gosto
das casas burguesas abastadas, uma vez revirado pelo avesso, se
torna instável e estranho (aparelhos de som na geladeira,
porcelanas chinesas no vaso sanitário, móveis empilhados,
o sofá boiando na piscina
).
O
ato de invadir propriedades particulares é considerado ilegal.
Mas no contexto de um estado de exceção, quando os
direitos estão suspensos no ar, o que fazer? Embaralhar os
códigos. Criar um pensamento que passe por debaixo das leis,
recusando-as, por debaixo das relações contratuais,
desmentindo-as, por debaixo das instituições, parodiando-as
(Deleuze, 1985, p. 59). "A contestação hoje ficou
um pouco mais complicada", diz Jan à amiga Jule num dos diálogos
do filme. Posteriormente, através da intervenção
da própria Jule, emerge um choque de gerações
inevitável. The Edukators coloca frente a frente a
geração 68 e os ativistas do novo milênio.
Nômades,
libertários e anarquistas, de ontem e de hoje, têm
em comum o fato de instalarem o paradoxo no pensamento e na vida
política. O paradoxo tem uma função desautomatizadora
da percepção do mundo, na medida em que transforma
a permanência em puro devir. E se por um lado é tão
difícil tratar historicamente os movimentos paradoxais, ao
mesmo tempo podemos aproximar muitos teóricos que nunca se
definiram anarquistas (Nietzsche, Foucault, Deleuze) da "máquina
de guerra" anárquica contra o poder.
Inspirado
pela pedagogia dos Edukators, pretende-se aqui apenas e tão
somente mapear algumas reverberações paradoxais de
matriz nietzscheana nas manifestações contemporâneas
de midiativismo, termo assim definido por Matteo Pasquinelli:
O
midiativismo não é só um fenômeno
social e político, representa um laboratório de
inovações e experimentações que
veremos surgir na sociedade do futuro. Trata-se de um protótipo
ou de uma oficina de uma nova cultura e de uma nova mentalidade:
dos fóruns sociais ao hacktivismo, do orçamento
participativo à economia solidária, da desobediência
social à intervenção pacífica nos
territórios da guerra global. É uma nova atitude,
um modelo cultural, uma forma mental que consideramos central
no humanismo do mundo que está por vir. Um protótipo
mental que ainda é embrionário, mas carregado
de potencialidades radicalmente inovadoras, que já arranharam
a superfície das pirâmides imperiais do poder,
dos meios de comunicação, da economia
(Pasquinelli,
2002, p. 12)
Comecemos
por uma pista fornecida por Michel Foucault, em 1973, numa inusitada
entrevista concedida à Revista Manchete. Foucault,
em sua segunda e última visita ao Brasil, autodefinia-se
um jornalista. "O que me interessa é a atualidade, o
que se passa em nosso redor, o que somos, o que acontece no mundo"
(Leite, 1973, p.147), declarou. Em seguida, arrematou:
A
filosofia, até Nietzsche, tinha como razão de
ser a eternidade. O primeiro filósofo-jornalista foi
Nietzsche. Ele introduziu o hoje no campo da filosofia. Antes,
o filósofo conhecia o tempo e a eternidade. Mas Nietzsche
tinha uma obsessão pela atualidade. Penso que o futuro
somos nós que fazemos. O futuro é a maneira como
reagimos ao que se passa, é a maneira como transformamos
em verdade um movimento, uma dúvida. Se nós quisermos
ser mestres do nosso futuro, devemos colocar fundamentalmente
a questão do hoje. Por isso, para mim, a filosofia é
uma espécie de jornalismo radical. (Leite, 1973, p.147)
Ora,
o projeto mais geral de Nietzsche, ensina-nos Gilles Deleuze, consiste
em introduzir no universo filosófico os conceitos de sentido
(a relação de alguma coisa para com a força
que dela se apodera) e valor (a hierarquia de forças que
se exprimem no objeto). É como se o "hoje" e a
"atualidade" de que nos fala Foucault na citação
acima passassem a ganhar um novo sentido e um renovado valor (ou
transvalor), que só podem ser entendidos diante de uma crítica
radical do jogo de forças contemporâneas. Uma filosofia,
conforme Nietzsche dizia, realizada a "marteladas". Mas
que tipo de jornalismo radical, ao mesmo tempo crítico e
criativo, despontaria a partir das marteladas de Nietzsche?
Imediatismo
Posto
que não se pode falar em jornalismo sem aludir a uma linguagem
subjacente, trata-se de buscar em Nietzsche a novidade discursiva,
uma nova narrativa, capaz de iluminar "a aurora de uma contracultura"
(Deleuze, 1985, p.57) e de uma contrafilosofia. É exatamente
isso que o filósofo Gilles Deleuze aprofunda na sua fala
"Pensamento nômade", no Centro Cultural Internacional de Cerisy-la-Salle
(Normandia), durante o colóquio "Nietzsche hoje?", em julho
de 1972.
Na
tradição filosófica, a relação
com o exterior sempre foi mediada e dissolvida numa interioridade
(a alma, a consciência, a essência ou o conceito). Nietzsche,
ao contrário, funda o pensamento, a escritura, sobre uma
relação imediata com o exterior através
do aforismo (sentença breve, máxima), da poesia,
da paródia, da ironia e do paradoxo.
Miguel
Angel de Barrenechea insiste na exaltação enfática
que Deleuze faz do estilo nietzscheano:
o aforismo é saudado como uma nova forma de escrita,
uma fala radial e revolucionária, oposta às construções
tradicionais da filosofia. O aforismo, para Deleuze, possui
um caráter absolutamente inovador, colocando em xeque
todos os meios de expressão anteriores. (Barrenechea,
200, p.105)
Para
Gilles Deleuze, conectar o pensamento ao exterior é o que
os filósofos nunca fizeram, mesmo quando falavam de política.
Não basta falar do exterior para conectar o pensamento diretamente
e imediatamente ao exterior. Os textos de Nietzsche são atravessados
por um movimento que vem de fora, que não começa na
página do livro nem nas páginas precedentes, que não
cabe no quadro do livro, e que é absolutamente diferente
do movimento imaginário das representações
ou do movimento abstrato dos conceitos. Alguma coisa salta do livro,
entra em contato com um puro exterior e, o que é mais importante,
abre-se para as pluralidades e diferenças deste exterior.
"Friedrich Nietzsche afirmou que o habitat dos grandes problemas
é a rua", anotou certa vez o escritor Oswald de Andrade.
(Oswald de Andrade, apud Borges).
Este
imediatismo Nietzscheano, inspirou, por exemplo, Hakim Bey, o codinome
de Peter Lamborn Wilson, anarquista americano estudioso do sufismo
(corrente mística do Islã). Bey é o teórico
das Zonas Temporárias Autônomas, que seriam áreas
ou dimensões sociais liberadas temporariamente do capitalismo
globalitário. O conceito de TAZ, assim como as noções
de "imediatismo", tiveram uma influência fundamental nas experiências
telemáticas alternativas. Bey chegou a escrever um manifesto
do imediatismo. Em seu oitavo item lê-se o seguinte:
Computadores,
vídeo, rádio, impressoras, sintetizadores, máquinas
de fax, gravadores de fita, fotocopiadoras - essas coisas representam
bons brinquendos, mas terríveis vícios. Finalmente,
nós percebemos que não podemos alcançar
e tocar em ninguém que não esteja presente em
carne e osso. Essas mídias podem ser úteis a nossa
arte, mas elas não devem nos possuir, tampouco devem
permanecer "entre", mediando ou nos separando de nosso
"eu" anímico/animal. Nós queremos o
controle de nossa mídia, não sermos controlados
por ela. Gostaríamos de lembrar de certa arte marcial
que acentua a idéia de que o corpo é, em si mesmo,
a menos mediada de todas as mídias. (BEY, imediatismo,
site Sabotagem/Contra-Cultura)
A
atualização do jornalismo radical, imediato e aforístico
de Nietzsche, nos compele a vivenciar a comunicação
como uma prática ativa, ao invés de sermos meros receptores
de informação. Ensina também que os meios de
comunicação não são apenas MEIOS, mas
campos de batalhas políticas, teatros do imaginário
coletivo, espelhos de projeções da estrutura e da
construção social (Pasquinelli, 2002, p.15). Não
basta olhar para os meios pelo viés instrumental, assim como
não é mais possível desconsiderar o fato de
que estamos imersos numa midiascape (paisagem midiática).
Jogo
de forças
Seguindo
as características que Gilles Deleuze dá aos aforismos
nietzscheanos, temos uma mapa, não para analisar ou categorizar
a contracultura dos anos 60 ou 70 (que tem mais a ver com Freud
e Marx), mas para continuar a estudar as ações paradoxais
na esfera comunicacional, que emergem na era pós-Seattle
(1999), e que parecem estabelecer um diálogo muito rico com
Nietzsche.
Ora,
num mundo onde, como bem demonstra Toni Negri, não existe
mais o fora, Nietzsche sugere tratar o aforismo, esta centelha de
linguagem, como um fenômeno à espera de novas forças
que venham "subjugá-lo", ou fazê-lo funcionar, ou então
fazê-lo explodir (Deleuze, 1985, p.62). Já sabemos
que cada inovação estética, tecnológica
e comunicacional é imediatamente absorvida pelo sistema.
Mas, diante desse mar revolto de forças, é preciso
mais do que nunca saber avaliar, pesar, conferir sentidos e significados.
Talvez seja exatamente este o método nietzscheano,
que faz do texto de Nietzsche não mais alguma coisa a
respeito da qual seria preciso se perguntar "é fascista,
é burguês, é revolucionário em si?",
mas um campo de exterioridade onde se defrontam forças
fascistas, burguesas e revolucionárias. E a resposta
conforme ao método seria: encontre a força revolucionária
(Quem é além-do-homem?)!. (Deleuze, 1985, p.62).
É
preciso considerar este jogo de forças a partir da noção
de sentido em Nietzsche:
Nós
nunca encontraremos o sentido de alguma coisa (fenômeno
humano, biológico ou mesmo físico), se não
sabemos qual é a força que se apropria da coisa,
que a explora, que dela se apodera ou que nela se exprime. Um
fenômeno não é uma aparência (imagem),
nem mesmo uma aparição, mas um signo, um sintoma
que encontra o seu sentido numa força atual. A inteira
filosofia é uma sintomatologia e uma semiologia. As ciências
são um sistema sintomatológico e semiológico.
(Deleuze, 1997, p.3)
Leia-se
o seguinte aforismo de Nietzsche:
Não se baseia precisamente a divindade em haver deuses,
e não deus?. (Nietzsche, 1977, p. 139).
A
interpretação que Deleuze faz do aforismo merece destaque.
Para ele, os deuses morreram, mas na verdade eles morreram de rir,
quando ouviram um Deus falar que ele era o único. E a morte
deste Deus que se dizia o único é, também,
um evento plural: a morte de Deus é um acontecimento onde
cada sentido é múltiplo. É PORQUE "NIETZSCHE
NÃO ACREDITA NOS GRANDES EVENTOS RUIDOSOS, MAS NA PLURALIDADE
SILENCIOSA DE SENTIDOS DE CADA EVENTO".
Se
ouvirmos outro intérprete afiado de Nietzsche, o filósofo
italiano Gianni Vattimo, perceberemos que, Nietzsche e Heidegger
nos fizeram ver que devemos transformar a idéia de que a
verdade não é objetiva numa disciplina do diálogo.
Não existem princípios absolutos, objetivos, mas apenas
opiniões, pontos de vista, forças. Se eu sei que a
verdade não é definitiva, procuro um acordo, procuro
escutar os outros, corrigir-me (Pinto, 2002).
Intensidades
(qualidades)
A
intensidade não remete nem a significados que seriam como
a representação das coisas, nem a significantes que
seriam como a representação das palavras. O aforisma
é intenso porque nasce do fluxo vital de um indivíduo,
concreto, encarnado, de um nome próprio, de um corpo próprio.
Ele está presente em todas as manifestações
midiativistas que clamam por um processo de reapropriação
do corpo, do corpo público, do corpo social.
O
aforismo procura intensidades e, por sua vez, intensidades são
diferenças. Este conceito próprio da diferença
Deleuze buscará mergulhando profundamente nas teorias do
Eterno Retorno e da Vontade de Potência de Nietzsche. Pensando
em termos de invenção e não de origem do conhecimento,
entendendo sua relação de poder com as coisas a conhecer,
tirando o papel de protagonista do sujeito do conhecimento, enfim,
Nietzsche nos aproxima de uma forma de esquecimento revolucionária
para a tradição da filosofia ocidental. É uma
quebra desconcertante em relação ao que vinha sendo
dogmatizado, ensinado, demonstrado, exemplificado e incutido: de
que o conhecimento é semelhante à natureza humana
e ao mundo, de que o mundo é perfeito, ordenado e imita o
homem, de que tudo é belo, harmônico e tem uma origem
que, invariavelmente, culminava no "E o Verbo era Deus..." Mas Nietzsche
retira a figura deste Deus único (início e fim de
tudo) do mundo, bem como a busca angustiada das origens das coisas;
quer esquecer ambos os caminhos, já que representam um fardo
pesado demais para se carregar. Seu mundo está além
da moral, além do bem e do mal. Seu Universo é "um
processo circular do todo", é a "Teoria do Eterno Retorno".
Nesse anel, nesse círculo fechado que seria o universo, a
quantidade de força existente seria determinada. Nele tudo
é eterno, nada veio a ser. Diferentemente de outros cursos
circulares, o do universo é uma lei originária onde
os acontecimentos se repetem:
"Seja
qual for o estado que esse mundo possa alcançar, "ele
tem de tê-lo abraçado, e não uma vez, mas
inúmeras "vezes...Homem! Tua vida inteira, como
uma ampulheta, ""será sempre desvirada outra
vez e sempre se escoará ""outra vez, um grande
minuto de tempo no intervalo, "até que todas as
condições, a partir das quais vieste a "ser,
se reunam outra vez no curso circular do ""mundo...Esse
anel, em que és um grão, resplandece ""sempre
outra vez. E, em cada anel da existência ""humana,...emerge
o mais poderoso dos pensamentos, o ""pensamento do
eterno retorno de todas as coisas: é ""cada
vez, para a humanidade, a hora do meio-dia. (Nietzsche, 1978,
aforismo 25, p. 389-90)
Decorre
da Teoria do Eterno Retorno a Teoria da Vontade e Potência.
Uma vontade mais forte leva a melhor; não há nenhum
projeto anterior. É a teoria de um mundo que eternamente
se cria e se destrói a si mesmo, um mundo de volúpia,
sem objetivos:
"...força
por toda parte...mar de forças tempestuando e ""ondulando
em si próprias, eternamente mudando. (Nietzsche, 1978,
aforismo 1067, p. 97)
Não
há equilíbrio, nada é definitivo. Nós
mesmos somos, segundo Nietzsche, essa vontade de potência,
e nada mais. A leitura que Gilles Deleuze faz do Eterno Retorno
nietzscheano opõe o "caos-errância" à "coerência
da representação", excluindo a possível pertinência
de um sujeito que se representa indefinidamente e de um objeto representado,
em nome de uma eterna repetição que receptaria uma
potência informal, capaz de desfazer cada representação
das coisa através da diferença:
O
díspar é o último elemento da repetição
que se opõe à identidade da representação.
O círculo do eterno retorno, o da diferença e
da repetição (que desfaz o do idêntico e
do contraditório), é um círculo tortuoso
que só diz o Mesmo daquilo que difere. (DELEUZE, 1988,
p.108)
Deleuze
procurará nos despertar através do "Eterno Retorno"
para toda e qualquer remoção dos entraves que mediatizam
a relação entre o ser e a diferença dos fenômenos.
Ao assumir a postura de que cada fenômeno é uma eterna
cópia de outras cópias das quais não há
uma origem, mas apenas eventos que só existem retornando,
Deleuze abre-se para o simulacro como "o verdadeiro caráter
ou a forma do que é "o ente" , quando o eterno
retorno é a potência do ser (o informal)". A identidade,
responsável pela modelação formal dos fenômenos
em função de um ideal a ser representado, desfaz-se
no simulacro, que longe de ser uma cópia, procurará
experienciar o real a partir de uma seleção dos elementos
divergentes, díspares:
Com
efeito, por simulacro não devemos entender uma simples imitação,
mas sobretudo o ato pelo qual a própria idéia de um
modelo ou de uma posição privilegiada é contestada,
revertida. O simulacro é a instância que compreende
uma diferença em si, como duas séries divergentes
(pelo menos) sobre as quais ele atua, toda semelhança tendo
sido abolida, sem que se possa, por conseguinte, indicar a existência
de um original e de uma cópia. É nesta direção
que é preciso procurar as condições, não
mais da experiência possível, mas da experiência
real (seleção, repetição, etc). É
aí que encontramos a realidade vivida de um domínio
sub-representativo. Se é verdade que a representação
tem a identidade como elemento e um semelhante como unidade de medida,
a pura presença, tal como aparece no simulacro, tem o "díspar"
como unidade de medida, isto é, sempre uma diferença
da diferença como elemento imediato. (Deleuze, 1988, p.124-125))
Este
elogio da diferença, da intensidade e do simulacro soa hoje
como um libelo contra as leis de patentes e o fundamentalismo das
propriedades intelectuais.
O
senso de humor e a ironia
É
impossível não rir quando, no começo de The
Edukators, a família chega de férias e encontra
o mundo de cabeça para baixo. O humor é um exercício
de dissecação da realidade tal como ela é e
não como o bom senso ou o senso comum gostariam que ela fosse.
No senso comum, os diferentes objetos igualizam-se "e os diferentes
eus tendem a se uniformizar" (DELEUZE, 1988, p.360). Logo, o que
Deleuze identifica no paradoxo como manifestação da
filosofia (ao contrário do bom senso), é válido
também para os efeitos paradoxais no humor:
"...o
paradoxo quebra o exercício comum e leva cada "
"faculdade diante do seu próprio limite, diante
de seu ""incomparável, o pensamento diante
do impensável que, ""todavia, só ele
pode pensar, a memória diante do ""esquecimento,
que é também seu imemorial, a ""sensibilidade
diante do insensível, que se confunde com ""o
seu intensivo.(DELEUZE, 1988, p.365)
Um
aforismo é um jorro de riso e alegria. "É preciso
ler Nietzsche rindo e gargalhando, caso contrário não
há leitura de Nietzsche. Isto não é verdadeiro
somente em relação à Nietzsche, mas em relação
a todos os autores que fazem precisamente este mesmo horizonte da
nossa contracultura" (DELEUZE, 1985, p.64). Não se pode deixar
de rir quando se embaralham os códigos (é exatamente
isso que faz o subvertisement e as ações de culture
jamming contemporâneas). O riso em Nietzsche remete sempre
ao movimento exterior dos humores e das ironias e este movimento
é o das intensidades, das qualidades, das diferenças
exteriores que ressoam continuamente.
Aqui
é preciso compreender que o humor e a ironia se contrapõe
ao peso dos valores platônicos, judaico-cristãos: valores
que condenaram a vida, postulando um utópico mundo do além
(as idéias ou idealismo platônico). Portanto, nunca
é demais ressaltar que um dos projetos de Nietzsche é
demolir o castelo metafísico, armadilha na qual, segundo
Oswaldo Giacoia Junior,
Nossa
alma ou espírito, nossa verdadeira essência, estaria
prisioneira do nosso corpo. Os sentidos induziriam nossa verdadeira
essência ao erro e ao engano pelos sentidos, que nos arrastam
continuamente para o planos das aparências, desviando-nos
do que seria a nossa verdadeira destinação: a
contemplação das formas puras
Todo conhecimento
verdadeiro seria, pois, uma espécie de recordação
do que outrora, antes do cativeiro de nossa alma pelo corpo
e no mundo terrestre, contempláramos do verdadeiro e
divino mundo das idéias. Um espírito, ou razão
pura, e um bem em si constituem as referências metafísicas
que dão sustentação tanto ao conhecimento
científico quanto às ações morais
do ser humano no mundo. (Giacoia Junior, 2000, p.23)
Máquina
de guerra nomádica e intempestiva
Num
trabalho recém-lançado, Viviane Mosé mostra
como a nova política que nasce com Nietzsche passa por uma
transvaloração da linguagem. Ou seja, a desautorização
da linguagem, a desconstrução da lógica da
identidade (leis e gramática) e o investimento numa relação
afirmativa com os signos a partir de um novo campo de forças
interpretativo.
Dentro
deste contexto insere-se a questão do aforisma nomádico.
Deleuze intuia que o problema político seria o de encontrar
uma unidade das lutas pontuais sem recair na organização
despótica e burocrática do partido e do aparelho de
Estado: uma máquina de guerra que não reproduzisse
um aparelho de Estado, uma unidade nomádica em relação
com o exterior, que não reproduzisse a unidade despótica
interna. Nesse sentido, a nova política que começa
com Nietzsche inaugura uma máquina de guerra móvel
(nomádica e intempestiva). François Zourabichvili
dá uma interpretação prática ao conceito
deleuziano de máquina de guerra:
em
lugar de depositar uma fé intacta e não crítica
na revolução, ou de convidar abstratamente para
uma "terceira via" revolucionária ou reformista, ela
permite precisar as condições de uma política
revolucionária não-bolchevique, sem organização
de partido, que disporia ao mesmo tempo de uma ferramenta de
análise para fazer face ao perigo de deriva "fascista"
próprio das linhas de fuga coletivas. (Zourabichvili,
2004, p.66)
Aqui
as linhas de fuga nietzcheanas e anarquistas se encontram. Os aforismos
nômades são aqueles que escapam aos códigos
(os marginais, os excluídos, os pensadores malditos). O nômade
não é necessariamente aquele que se movimenta: existem
viagens num mesmo lugar (a internet que o diga), viagens em intensidade,
e mesmo historicamente os nômades não são aqueles
que se mudam à maneira dos migrantes, ao contrário,
são aqueles que não mudam, e põem-se a nomadizar
para permanecerem no mesmo lugar, escapando dos códigos (Deleuze,
1985, p.66).
Para
quem ainda não viu The edukators fica um aviso. No
confronto entre a geração 68 e os ativistas do novo
milênio não jogue todas as fichas na alienação
da juventude contemporânea.
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info@imediata.com
M
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