As caras da privatização da água

por Silvia Ribeiro

Fonte: Alai-amlatina 105-04-2005

Tradução Imediada

A América Latina é o continente onde há maior injustiça no uso e aceso à água. Segundo Maude Barlow, ativista canadense e referência mundial sobre o tema, embora tenhamos o maior volume de água doce per capita, com 20 por cento do total mundial, a população do continente só tem acesso a um por cento.

Este dado, junto a muitos outros, foi parte do quebra-cabeças coletivo sobre a crise da água que camponeses, povos indígenas, sindicalistas, integrantes de movimentos urbanos, pesquisadores, estudantes e organizações da sociedade civil começaram na Oficina Popular em Defesa da Água, realizada no México, de 25 a 28 de abril, convocado pelo "Centro de Análisis de Formación Social, Información y Formación Popular" (Casifop), juntamente com o Instituto Polaris do Canadá e a organizações mexicanas e internacionais.

Com a participação de mais de 400 pessoas vindas de todo o México e de 10 países latino-americanos e norte-americanos, ficou evidente que há uma crise da água com características comuns em todo o continente. As fontes dessa crise são as mesmas: a apropriação privada dos recursos hídricos por um punhado de transnacionais, favorecida pelas políticas de organismos como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e os tratados de livre comércio. Porém, a privatização tem caras distintas e nos afeta de muitas maneiras. As transnacionais manipulam os dados da crise para justificar o despojo e aumento da privatização, culpando os cidadãos comuns, os camponeses e os serviços públicos pelo mau uso e administração. Por tudo isso, é imprescindível construir nossos próprios mapas da crise e dos caminhos para enfrentá-la.

A partir de suas pesquisas e dos testemunhos e colocações apresentadas na oficina, Andrés Barreda, da Casifop, e Tony Clarke, do Polaris Institute, resumiram algumas das caras que assume a privatização da água no campo e na cidade:

-Privatização dos territórios e das biorregiões. As empresas que comercializam e/ou necessitam de massas de água para suas atividades, vão pela privatização de inteiros territórios e biorregiões, para se garantirem o uso monopólico do recurso, protegidas por mudanças nas legislações. Já acontece, por exemplo, com o mar, no Chile. Também ,através da titulação individual de terras coletivas de camponeses e indígenas, com programas como o "Procede en México", para permitir a sua venda. A separação da propriedade da terra daquela dos poços e fontes de água que estiverem na mesma, colocando ambos no mercado, é outra forma de privatização do território.

-Privatização pelo desvio das águas. A construção de represas, hidrovias e o desvio de rios dos seus cursos naturais para abastecer zonas de alto consumo industrial, agroindustrial e urbano, priva do recurso milhões de camponeses e povos indígenas, em muitos casos forçando o seu deslocamento, o que destrói irreparavelmente suas formas de vida, cultura e economias próprias. Soma-se o impacto sobre o próprio recurso água e o ambiente que ela sustenta, o que gera ainda mais escassez futura.

-Privatização por contaminação. As indústrias da mineração, petrolíferas, de papel, elétricas, junto com a contaminação por agrotóxicos da agricultura industrial e a outras indústrias sujas, contaminam as fontes de água como "efeito colateral", apropriando-se de fato de um recurso que é de todos, ao impossibilitar que outros a possam usar.

-Privatização dos serviços municipais de água em zonas urbanas. Através de concessões e contratos de serviços múltiplos, protegidas por novas legislações nacionais sobre a água, as empresas transnacionais se apropriam das redes de distribuição e de estabelecimentos de purificação, fixando as condições de seu acesso e as tarifas à população. O que antes era um recurso público vital e de todos, agora é uma mercadoria à qual tem acesso somente os que podem pagar por ela. A banda dos privatizadores da água é liderada pelos gigantes da água Suez e Vivendi (agora Veolia), que controlam 70 por cento do mercado mundial, seguidos por RWE-Thames, Bechtel e poucas mais.

-Privatização pelo engarrafamento da água. Não há uma manutenção adequada das redes públicas de distribuição da água, devido a políticas orçamentárias injustas, porém, subsidiam-se com permissões ridiculamente baratas de exploração das fontes de água, as indústrias que "transformam a água em água". O custo final aos consumidores é de mil a 10 mil vezes mais caro e as próprias garrafas de plástico são um fator de contaminação das águas subterrâneas. Quatro grandes multinacionais de refrigerantes lideram esta banda, que tende ao monopólio mundial do setor: Coca-Cola, Pepsico, Nestlé e Danone.

-Monopólio das tecnologias. Ao mesmo tempo em que as indústrias desperdiçam e contaminam a água doce de todos, também se apresentam como as únicas capazes de extrair a água mais profunda (tecnologia já utilizada pelas indústrias petrolíferas), ou de purificá-la adequadamente, já que a complexidade dos fatores da contaminação aumenta devido às suas próprias atividades (industrial, biológica, salinização de aqüíferos). Através do controle monopólico de mercados e das patentes de tecnologia, os destruidores do recurso se apresentam como os salvadores, aos quais todos temos que pagar.

Mas também, por todo o continente, cresce a resistência popular, enfrentando os diferentes aspectos deste renovado assalto aos bens comuns. O desafio é consolidar o tecido comum a partir de cada perspectiva, como os córregos, quando baixam.

- Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC.

 

 

Las caras de la privatización del agua

Silvia Ribeiro

Alai-amlatina 05-05-2005

América Latina es el continente de mayor injusticia en el uso y acceso al agua. Según Maude Barlow, activista canadiense y referencia mundial en el tema, aunque tenemos el mayor volumen de agua dulce per cápita, con 20 por ciento del total mundial, la población del continente sólo accede a uno por ciento.

Este dato, junto a muchos otros, fue parte del armado colectivo del rompecabezas de la crisis del agua que campesinos, pueblos indios, sindicalistas, integrantes de movimientos urbanos, investigadores, estudiantes y organizaciones de la sociedad civil comenzaron en el Taller Popular en Defensa del Agua, realizado en México del 25 al 28 de este mes, convocado por el Centro de Análisis de Formación Social, Información y Formación Popular (Casifop), junto al Instituto Polaris de Canadá y organizaciones mexicanas e internacionales.

Con los aportes de más de 400 participantes de todo México y 10 países latinoamericanos y norteamericanos, se hizo evidente que hay una crisis del agua con lineamientos comunes en todo el continente. Las fuentes de esta crisis son las mismas: la apropiación privada de los recursos hídricos por un puñado de trasnacionales, favorecida por las políticas de organismos como el Banco Mundial, la Organización Mundial de Comercio y los tratados de libre comercio. Pero la privatización tiene distintas caras y nos afecta de muchas maneras. Las trasnacionales manipulan los datos de la crisis para justificar el despojo y aumento de la privatización, culpando a la gente común, los campesinos y los servicios públicos por mal uso y administración. Por todo ello, es imprescindible construir nuestros propios mapas de la crisis y de los caminos para enfrentarla.

A partir de sus investigaciones y los testimonios y ponencias vertidos en el taller, Andrés Barreda, de Casifop, y Tony Clarke, del Polaris Institute, resumieron algunas de las caras que asume la privatización del agua en el campo y en la ciudad:

-Privatización de los territorios y biorregiones. Las empresas que comercian y/o necesitan masas de agua para sus actividades, van por la privatización de territorios y biorregiones enteras para garantizarse el uso monopólico del recurso, protegidas por cambios en las legislaciones. Ya sucede, por ejemplo, con el mar en Chile. También a través de la titulación individual de tierras colectivas de campesinos e indígenas, con programas como el Procede en México, para permitir su venta. La separación de la propiedad de la tierra de la de los pozos y fuentes de agua que estén en ellos, colocando ambos en el mercado, es otra forma hacia la privatización del territorio.

-Privatización por desviación de aguas. La construcción de represas, hidrovías y desviación de ríos de sus cauces naturales para abastecer zonas de alto consumo industrial, agroindustrial y urbano, priva del recurso a millones de campesinos y pueblos indios, en muchos casos con desplazamientos que destruyen irreparablemente sus formas de vida, cultura y economías propias. Se suma el impacto sobre el propio recurso agua y el ambiente que lo sostiene, que genera más escasez futura.

-Privatización por contaminación. Las industrias mineras, petroleras, papeleras, eléctricas, junto a la contaminación por agrotóxicos de la agricultura industrial y a otras industrias sucias, contaminan las fuentes de agua como "efecto colateral", apropiándose de facto de un recurso que es de todos, al imposibilitar que otros las puedan usar.

-Privatización de los servicios municipales de agua en zonas urbanas. A través de concesiones y contratos de servicios múltiples, protegidas por nuevas legislaciones nacionales de agua, las empresas transnacionales se apropian de las redes de distribución y plantas purificadoras, fijando las condiciones de su acceso y tarifas a la población. Lo que antes era un recurso público vital y de todos, ahora es una mercancía a la que accederán solo los que puedan pagar por ella. La banda de los privatizadores del agua la lideran los gigantes del agua Suez y Vivendi (ahora Veolia), que controlan 70 por ciento del mercado mundial, seguidos por RWE-Thames, Bechtel y pocas más.

-Privatización por el embotellamiento de agua. No hay mantenimiento adecuado de las redes públicas de distribución de agua por políticas presupuestales injustas, pero se subsidia con permisos ridículamente baratos de explotación de fuentes de agua, a las industrias de "transformar agua en agua". El costo final a los consumidores es de mil a 10 mil veces más caro y las propias botellas de plástico son un factor de contaminación de las aguas subterráneas. Cuatro grandes multinacionales de refrescos lideran esta banda, que tiende al monopolio mundial del sector: Coca-Cola, Pepsico, Nestlé y Danone.

-Monopolio de las tecnologías. Al mismo tiempo que las industrias despilfarran y contaminan el agua dulce de todos, se presentan como las únicas capaces de extraer el agua más profunda (tecnología que ya usan las petroleras), o de purificarla adecuadamente, ya que la complejidad de factores de contaminación aumenta por sus propias actividades (industrial, biológica, salinización de acuíferos). A través de control monopólico de mercados y patentes de tecnología, los destructores del recurso se presentan como los salvadores, a los cuales todos tenemos que pagar.

Pero también por todo el continente crece la resistencia popular enfrentando los diferentes aspectos de este renovado asalto a los bienes comunes. El desafío es consolidar el tejido común desde cada perspectiva, como los arroyos cuando bajan.

- Silvia Ribeiro es investigadora del Grupo ETC

biodiv<info@imediata.com>