VANDANA SHIVA: BIO-GUERREIRA/PERFIL
"Do ponto de vista tanto das vacas como das pessoas, prefiro ser uma vaca sagrada a uma vaca louca"

Vandana Shiva atualiza os guerreiros da mitologia indiana. Física e filósofa, ela filtra conhecimentos ancestrais direcionando-os para ações diretas, criando e reforçando os argumentos dos ativistas anti-globalização – via de regra recebidos a bastonadas. No último encontro do Fórum Internacional sobre Globalização, Vandana Shiva, indignada contra a desinformação de alguns jornalistas e as más intenções da mídia, desqualificou veementemente em público com argumentos irrefutáveis duas das revistas semanais americanas mais importantes. Foi só o complemento da potência de um discurso vibrátil, a serviço do desenvolvimento sustentado, da justiça social e da biodiversidade, e visceralmente contra a visão reducionista da natureza.

Como diretora da Fundação de Pesquisa Sobre Ciência, Tecnologia e Política de Recursos Naturais de Nova Déli, Vandana Shiva ilumina a relação entre engenharia genética e a ascenção do paradigma reducionista na biologia, com desdobramentos diretos na esfera informacional, ambiental e cultural. Para Vandana shiva, o reducionismo em biologia é multifacetado, desvaloriza várias formas de conhecimentos e de sistemas éticos deslocados dos parâmetros ocidentais e acabou extrapolando para outras esferas do conhecimento a partir do discurso "competente" dos cientistas. Pode-se identificar uma primeira ordem reducionista, aquela das espécies. Aqui o reducionismo valoriza somente uma espécie – os humanos – e gera um valor instrumental para todas as outras. Conseqüências: "Monoculturas das espécies e erosão da biodiversidade... especialmente quando aplicadas às florestas, agricultura e pesca". Segunda ordem reducionista, ou reducionismo genético: redução da riqueza comportamental biológica, a dos humanos inclusa, à dimensão genética. A fórmula vida=genes amplia os riscos ecológicos da primeira ordem e introduz novas questões, como o patenteamento de formas de vidas.

Hierarquia e desigualdade foram "naturalizadas", segundo Vandana Shiva, e o reducionismo foi escolhido como o paradigma preferencial para o controle econômico e político da diversidade na natureza e na sociedade. A conclusão é que o determinismo genético e o reducionismo genético caminham de mãos dadas:

O reducionismo em que se baseia a engenharia genética é epistemológica e socialmente perigoso. Epistemologicamente, porque cria um quadro muito simplificado de "o que é a vida". A engenharia genética perpetua a visão mecanicista dos organismos biológicos, nos quais os genes e o DNA são concebidos como átomos biológicos, os tijolos da vida. Presume-se que os genes são os únicos responsáveis pelas propriedades fisiológicas e morfológicas das formas de vida. No entanto, o DNA é uma molécula morta – ele não tem nenhum poder de reproduzir-se ou de determinar qualidades e características. O que é responsável pelo poder de reprodução dos organismos vivos e suas distintas características é sua capacidade de se organizar em interação complexa, tanto interna quanto externamente com o ambiente. Em segundo lugar, ao excluir as interações e relações entre organismos e ambiente, e entre os próprios organismos, o paradigma reducionista exclui qualquer preocupação com as implicações ecológicas da engenharia genética... (Shiva apud Garcia dos Santos, in Caderno Mais, Folha de S.Paulo, 1996, p.5-6)

E na medida em que evoluíram as pesquisas genéticas, o modelo mecanicista acompanhou a evolução, até chegarmos ao Projeto Genoma. "Em vez de canhoneiras em busca de terra e ouro, temos os bioprospectors buscando biodiversidade; em vez da bula papal de 1492, temos o regime de patentes ditado pela Organização Mundial do Comércio; em vez de Colombo, temos as corporações transnacionais. A nova pirataria é a segunda 'descoberta' da América por Colombo. Os métodos são mais sofisticados. Os impactos não são menos brutais", conclui Shiva (Shiva apud Garcia dos Santos, 1996b, p.5-6.).

Quem quer que se levante diante do processo reducionista, resistindo contra a colonização da própria vida, assim como o futuro das tradições das culturas primitivas – e da biodiversidade cultural e biológica – e tente buscar outra alternativa, é taxado imediatamente de obscurantista, comparado aos inquisidores medievais e relegado ao limbo reservado aos pessimistas e aos obstaculizadores da ciência. Vandana Shiva definiu-o impecavelmente como as monoculturas da mente, uma metáfora oriunda da prática agrícola e florestal da monocultura, que separa "cientificamente" os domínios florestais dos agrícolas e privilegia, na floresta, a retirada de madeira e na agricultura, o cultivo de um único produto. A monocultura, ao promover o desaparecimento da diversidade na nossa percepção, elimina-a do próprio mundo.

Silvio Mieli

 

Referências:

Vandana Shiva,

Foundation for Science, Technology & Ecology

A-60 Haus Khas New Deli, 110016 INDIA Tel: 91-11-696-8077 Fax: 91-11-685-6795

-Biografia:

http://www.alternativeradio.org/tapes/bios.html#VSHI

-Shiva e a MacDonaldização:

http://www.mcspotlight.org/people/interviews/vandana_realaudio.html

-Shiva sobre a Organizacão Mundial de Comércio:

http://dialoguebetweennations.com/dbnevents/spanish/sp_shiva.html

-Entrevista/vídeo WORKING TV:

http://www.workingtv.com/real/Vandana-01.ram

-Água e a MONSANTO na Índia:

http://liberated.tao.ca/599shiva.htm

-Biodevastação:

http://www.greens.org/s-r/17/17-15.html

-O significado social das manifestações de Seattle, em 1999:

http://flag.blackened.net/~global/1299arshiva.htm

-Texto de V. Shiva sobre a globalização como uma nova forma de colonialismo:

http://www.forumsocialmundial.org.br/portugues/biblioteca/index.htm

-Entrevista sobre o livro "Stolen Harvest":

http://www.corpwatch.org/issues/biotech/featured/2000/vshiva.html

 

Biodiversidade Ambiental e Midiática:

biodiv<info@imediata.com>

 

Monocultures of the Mind, 1993.
Biopiracy: The Plunder of Nature and Knowledge, 1997.
Stolen Harvest, 2000.
Tomorrow's Biodiversity, 2000.