Guerras biotecnológicas: a liberdade contra a escravidão alimentar

Vandana Shiva

zmag.org

junho de 2003

Tradução Imediata

A Monsanto, através do governo dos EUA, está tentando desesperadamente reverter o fracasso de seus resultados por meio da criação de mercados para suas safras geneticamente modificadas (OGMs), por meio da coerção e da corrupção.

A União Européia ainda não aprovou as plantações GM para cultivo comercial ou os alimentos GM para importação. O Brasil tem banido as colheitas GM. E a índia não liberou as plantações GM e parou de espalhar o algodão Bt, geneticamente modificado, para o norte da índia, depois de comprovado seu terrível desempenho no sul da índia, durante a primeira estação de plantio comercial de 2002.

A UE, o Brasil e a Índia estão todos sob ataque declarado ou disfarçado por não se apressarem a adotar as sementes geneticamente modificadas com total descuido e por procurarem garantir a biosegurança.

Os EUA ameaçaram começar uma ação litigiosa contra a UE na OMC, devido ao fato de que a UE não importa alimentos geneticamente modificados. O Sr. Zoellick, representante comercial dos EUA, esteve no Brasil no fim do mês de maio para forçar o Brasil a suspender o banimento sobre as plantações GM. O Secretário de Estado dos EUA tentou intimidar os países da África do Sul na Conferência da Terra de Johannesburgo para que aceitassem os alimentos GM, mas a Zâmbia se recusou a ser intimidada. Na Índia, a Embaixada dos EUA pressionou o Ministério do Ambiente através do escritório do Primeiro Ministro para que fossem aprovadas as importações de milho GM, mas uma mobilização impressionante de grupos de mulheres organizou-se como Aliança Nacional de Mulheres para os Direitos Alimentares, sob o movimento das Mulheres Diversas pela Diversidade, o qual foi bem sucedido ao conseguir mandar de volta duas cargas de navios de 10 mil toneladas de milho GM. Desde então, o Presidente da Comissão de Aprovação de Engenharia Genética (Genetic Engineering Approval Committee), que rejeitou as plantações e as importações GM, foi removido do cargo e o Ministério da Agricultura foi mudado.

Pessoas livres com informações isentas de interesses particulares estão dizendo não aos alimentos geneticamente modificados, tanto por razões ecológicas quanto de saúde. Entretanto, a engenharia genética está sendo imposta ao mundo por um reduzido número de corporações que contam com o apoio de um único governo poderoso.

As safras comerciais produzidas por meio da engenharia genética não estão produzindo mais alimentos nem estão reduzindo o uso de produtos químicos. Embora o argumento da fome seja o mais freqüentemente usado para promover e empurrar a engenharia genética, na realidade os OGMs têm mais a ver com a fome de lucro das corporações do que com a fome dos pobres por comida. Conforme reportado na matéria noticiosa do International Herald Tribune de 29 de maio de 2003, sob o título: "Guerra biotecnológica relança questão da fome" ("Biotech war recasts hunger issue"), o Presidente George W. Bush está planejando seu ataque contra a resistência européia às plantações geneticamente modificadas, como parte de uma campanha contra a fome mundial.

Bush e seus assistentes estão fazendo um apelo emocional, dizendo que a posição da administração faz parte da luta contra a fome no mundo. Num discurso que fez na semana passada, ele acusou a Europa de obstruir a "grande causa da fome na África", com o banimento contra os plantações geneticamente modificadas". (IHT, 29 de maio de 2003)

A tecnologia da engenharia genética não diz respeito a se vencer a escassez de alimentos, mas a criar monopólios sobre os alimentos e as sementes, o primeiro elo da cadeia alimentar, e sobre a própria vida.

Depois de ter pressionado o governo Lula no Brasil a suspender temporariamente o banimento contra os OGMs, a Monsanto está agora exigindo royalties pelos genes das safras de soja Round up Resistance, comprovando mais uma vez que os lucros obtidos pela coleta de royalties são o verdadeiro objetivo para se espalharem as safras GMs.

 

A Índia foi compelida a mudar suas leis de patentes sob o tratado TRIPS e o principal beneficiário da Segunda Emenda à Lei de Patentes da Índia de 1970 são as corporações biotecnológicas como a Monsanto, buscando patentes em sementes geneticamente modificadas.

As patentes também criminalizam e tornam ilegais o trabalho humano nas formas de reprodução da vida. Quando sementes são patenteadas, os cultivadores que exercem sua liberdade e desempenham o dever de salvar e trocar sementes passam a ser tratados como "ladrões de propriedade intelectual". Isso chega ao absurdo, como no caso de Percy Schmieser, cuja plantação de canola foi poluída pela canola Round up Resistant da Monsanto e, ao invés da Monsanto compensar Percy por ter poluído sua plantação, conforme o "princípio de que o poluidor deve pagar", a Monsanto o processou pelo valor de $200.000 por roubo de seus genes. A Monsanto utiliza agências de detetives e a polícia para localizar cultivadores e plantações. As patentes implicam estados policiais.

A engenharia genética não está simplesmente causando a poluição genética da biodiversidade e criando o bio-imperialismo, os monopólios sobre a própria vida. Está causando também a poluição do conhecimento — destruindo a ciência independente e promovendo a pseudo-ciência. Está levando a monopólios sobre o conhecimento e a informação.

A vitimização do Dr. Arpad Putzai, que demonstrou os riscos à saúde representados pelas batatas GM, e o Dr. Ignacio Chapela, que mostrou como o milho tinha sido contaminado no seu próprio centro de diversidade, o México, são exemplos da intolerância de um sistema científico controlado pelas corporações contra a ciência real.

A fabricação de dados pela Monsanto quanto ao Algodão Bt. na Índia, é um exemplo da promoção de uma tecnologia desnecessária, não testada e perigosa, através de uma pseudo-ciência. Enquanto as plantações de algodão GM caíram em 80% e os cultivadores tiveram perdas de quase Rs. 6.000/acre, a Monsanto usou Martn Qaim (Universidade de Bonn) e David Zilberman (Universidade da Califórnia, Berkeley) para publicar um artigo na revista Science, onde alegam que as plantações de Algodão Bt. aumentaram em 80%. Qaim e Zilberman publicaram o trabalho com base em dados fornecidos pela Monsanto, a partir de testes da Monsanto efetuados sem nenhuma base nas colheitas das plantações dos cultivadores, durante o primeiro ano de plantio comercial.

As informações fabricadas que apresentam o fracasso do Algodão Bt. como um milagre escondem o fato de que insetos que não eram alvo e outras pragas aumentaram de 250—300%, os custos das sementes aumentaram de 300% e tanto a qualidade quanto a quantidade do algodão era baixa.

É por isso que em 25 de abril de 2003, a Comissão de Aprovação de Engenharia Genética ( Genetic Engineering Approval Committee, ou GEAC) do Governo da índia não aprovou o direito da Monsanto de vender sementes de Algodão Bt. no norte da Índia.

As falsas acusações da Monsanto ficaram ainda mais comprovadas com o fracasso total do milho híbrido no estado de Bihar, e com a colocação da empresa na lista negra do governo.

No estado de Rajasthan, a Monsanto concedeu-se a si própria um prêmio pelas colheitas milagrosas. Enquanto as brochuras alegavam 50-90 Q/acre, os cultivadores colheram somente 7 Q/acre, volume 90% inferior ao prometido. Os cultivadores do distrito de Udaipur no estado de Rajasthan começaram uma campanha de boicote contra as sementes da Monsanto.

Relatórios desses fracassos não chegam a um nível internacional porque a Monsanto controla a mídia, com sua rede de relações públicas, da mesma forma como está tentando controlar os governos e a ciência.

Nossas safras estão sendo poluídas, nossos alimentos estão sendo contaminados, nossa pesquisa científica e órgãos regulamentares estão sendo ameaçados e corrompidos.

É neste contexto que está ocorrendo a Conferência de Biotecnologia para Ministros da Agricultura em Sacramento, Califórnia, sob os auspícios de Ann Vanneman, a Secretária para a Agricultura dos EUA. Ann Vanneman dirigia a Agracetus, uma subsidiária da Monsanto. O Ministro da Agricultura do Brasil está sendo mantido como refém pela Monsanto. A remoção do Ministro da Agricultura da Índia, Ajit Singh, poucos meses antes das eleições gerais, serve para garantir que a ameaça à sobrevivência dos camponeses sob o regime de controle corporativo da agricultura não apareça como um pontos principais da agenda e o Ministério de Agricultura da Índia também passa a estar sob o controle da Monsanto/Cargill. A primeira atividade de que participou o novo Ministro da Agricultura da Índia, Rajnath Singh, foi uma Conferência para a Semente Global, organizada pelo setor biotecnológico.

A sustentabilidade e a ciência estão sendo sacrificadas em nome de um experimento imprudente com a nossa biodiversidade e nossos sistemas alimentares, e que está levando à extinção de espécies e de camponeses. Precisamos reincorporar a tecnologia na ecologia e na ética para garantirmos que os custos ecológicos e sociais integrais sejam levados em conta.

O que está em jogo é a evolução e a sobrevivência dos povos, nossa soberania e liberdade alimentar, a integridade da criação e nossos sistemas baseados na liberdade da evolução da natureza e nas liberdades democráticas de cultivadores e consumidores. A escolha que temos à nossa frente é entre o bio-imperialismo e a bio-democracia. Será que umas poucas corporações terão o direito de exercer uma ditadura junto aos nossos governos, nossos conhecimentos e informações, nossas vidas e todas as formas de vida do planeta, ou será que nós, como membros da família da Terra, libertaremos a nós mesmos e a todas as espécies do calabouço criado pelas patentes e pela engenharia genética? Nós precisamos nos reapropriarmos de nossa liberdade e soberania alimentar.

O nosso movimento na Índia procura defender a nossa liberdade em relação às nossas sementes (Bija Swaraj) e a liberdade em relação aos alimentos (Anna Swaraj), defendendo os nossos direitos, e recusando de cooperarmos com leis imorais ou injustas (Bija Satyagraha). Nós salvamos e compartilhamos nossas sementes, nós boicotamos as sementes corporativas, nós estamos criando zonas de agricultura livre, isentas de patentes, isentas de produtos químicos, isentas de engenharia genética, para garantirmos que nossa agricultura fique livre de monopólios corporativos e de poluição genética.

Nosso pão é nossa liberdade. Nossa liberdade garantirá o nosso pão. E cada um de nós tem o dever de exercitar a liberdade em relação ao pão (Anna Swaraj) —- para o bem da terra, de todas as espécies, e para nós mesmos e as futuras gerações.

 

Biotech Wars: Food Freedom Vs Food Slavery

By Vandana Shiva

Monsanto through the U.S. government, is trying desperately to reverse

its failing fortunes by creating markets for its genetically engineered

crops (GMOs) through coercion and corruption.

The E.U. has not yet cleared GM crops for commercial planting or GM food

for imports. Brazil has had a ban on GM crops. And India has not cleared

GM food crops and has stopped the spread of genetically engineered Bt.

Cotton to Northern India after its dismal performance in Southern India

in the first season of commercial planting in 2002.

E.U., Brazil and India are all under attack overtly and covertly, for

not rushing into adopting genetically engineered crops without caution

and ensuring biosafety.

The U.S. has threatened to initiate a dispute against the E.U. in the

W.T.O. for not importing genetically modified foods. The U.S. trade

representative, Mr. Zoellick was in Brazil at the end of May to force

Brazil to remove the ban on GM crops. The U.S. Secretary of State tried

to bully Southern African countries to the Earth Summit in Johannesburg

to accept GM food and, but Zambia refused to be bullied. In India, the

U.S.

Embassy tried to pressurize the Ministry of Environment through the

Prime Minister's office to clear imports of GM corn, but a major

mobilisation of women's groups organized as the National Alliance of

Women for Food Rights under the movement of Diverse Women for Diversity,

was successful in sending back two ship loads of 10,000 tons of GM corn.

Since then the Chairman of the Genetic Engineering Approval Committee

which rejected GM crops and imports has been removed and the Agricultural Ministry has been changed.

Free people with free information are saying no to genetically

engineered food for both ecological and health reasons. However, genetic

engineering is being imposed on the world by a handful of global

corporations with the backing of one powerful government.

Commercial crops produced through genetic engineering are not producing

more food nor are they reducing the use of chemicals. While the hunger

argument is the most frequently used argument to promote and push

genetic engineering, GMOs have more to do with corporate hunger for

profits than poor people's hunger for food. As a news item in the

international Herald Tribune of May 29, 2003 titled, "Biotech war recast

as hunger issue" reported,

President George W. Bush is framing his attack on European resistance to

genetically modified crops as part of a campaign against world hunger.

Bush and his aides are making an emotional plea, saying the

administration's stance is part of the fight against world hunger. In a

speech last week be accused Europe of hindering the "great cause of

ending hunger in Africa" with its ban genetically modified corps." (IHT,

May 29, 2003)

The technology of genetic engineering is not about overcoming food

scarcity but about creating monopolies over food and seed, the first

link in the chain and over life itself.

After having pressurized Lula's government in Brazil to temporarily

remove the ban on GMOs, Monsanto is now claiming royalties for genes in

the Round up Resistance Soya crops, showing once again that profits

through royalty collection are the real objective of spreading GM crops.

 

India has been forced to change its patent laws under TRIPS and the main

beneficiary of the Second Amendment to India's Patent Act of 1970 are

biotech corporations like Monsanto, seeking patents on genetically

engineered crops.

Patents also criminalise and make illegal the human work of life's

reproduction. When seeds are patented, farmers exercising their freedom

and performing their duty of saving and exchanging seeds are treated as

"intellectual property thieves". This can reach absurd limits as in the

case of Percy Schmieser whose canola field was polluted by Monsanto's

Round up Resistant Canola, and instead of Monsanto compensating Percy

for pollution on the "polluter pays principle", Monsanto sued him for

$200,000 for theft of their genes. Monsanto uses detective agencies and

police to track farmers and their crops. Patents imply police states.

Genetic engineering is not merely causing genetic pollution of

biodiversity and creating bio-imperialism, monopolies over life itself.

It is also causing knowledge pollution -- by undermining independent

science, and promoting pseudo science. It is leading to monopolies over

knowledge and information.

The victimisation of Dr. Arpad Putzai who showed the health risks of GM

potatoes and Dr. Ignacio Chapela who showed that corn had been

contaminated in its centre of diversity in Mexico are examples of the

intolerance of a corporate controlled scientific system for real

science.

The fabrication of the data by Monsanto on Bt. Cotton India is an

example of the promotion of an unnecessary, untested, hazardous

technology through pseudo science. While yields of GM cotton fell by 80%

and farmers had losses of nearly Rs. 6,000/acre. Monsanto used Martn

Qaim (University of Bonn) and David Zilberman) University of California,

Berkeley) to publish an article in Science to claim that yields of Bt.

Cotton increased by 80%. Qaim and Zilberman published the paper on the

basis of data provided by Monsanto from Monsanto's trials not on the

basis of the harvest from farmers fields in the first year of commercial

planting.

The fabricated data that presents a failure of Bt. Cotton as a miracle

hides the fact that non-target insects and diseases increased 250-300%,

costs of seed were 300% more and quantity and quality of cotton was low.

This is why on April 25, 2003, the Genetic Engineering Approval

Committee (GEAC) of the Government of India did not give clearance to

Monsanto to sell Bt. Cotton seeds in Northern India.

The false claims of Monsanto were also proved with a total failure of

Hybrid maize in the state of Bihar and a black listing of the company by

the government.

In Rajasthan, Monsanto gave itself an award for miracle yields. While

the brochures claimed 50-90 Q/acre, farmers harvested only 7 Q/acre, 90%

lower than the promise. Farmers of the Udaipur district of Rajasthan

have started a campaign to boycott Monsanto seeds.

Reports of these failures do not reach the international level because

Monsanto controls the media with its public relations spin, just as it

is attempting to control governments and science.

Our crops are being polluted, our food contaminated, our scientific

research and regulatory agencies threatened and corrupted.

This is the context in which the Biotech Conference for Agriculture

Ministers in Sacremento, California, hosted by Ann Vanneman, the U.S.

Secretary for Agriculture is taking place. Ann Vanneman used to head

Agracetus, a subsidiary of Monsanto. The Brazilian Agriculture Ministry

is held captive by Monsanto. The removal of India's Agriculture

Minister,

Ajit Singh, a few months before general elections is to ensure that the

threat to peasant survival under corporate control of agriculture is not

put high on the agenda and India's Agriculture Ministry also comes under

Monsanto/Cargill control. The first activity in which the new

Agriculture Minister Rajnath Singh participated was a Global Seed

Conference organised by the Biotech industry.

Sustainability and science are being sacrificed for a reckless

experiment with our biodiversity and food systems which is pushing

species and peasants to extinction. We need to re-imbed technology in

ecology and ethics to ensure that the full ecological and social costs

are taken into account.

What is at stake is the evolution of nature and survival of people, our

food sovereignty and food freedom, integrity of creation and our food

systems based on the evolutionary freedom of nature and democratic

freedoms of farmers and consumers. The choice before us is

bio-imperialism or bio-democracy. Will a few corporations have a

dictatorship over our governments, our knowledge and information, our

lives and all life on the planet or will we as members of the Earth

family liberate ourselves and all species from the prison of patents and

genetic engineering?

We need to reclaim our food freedom and food sovereignty.

Our movement in India seeks to defend our seed freedom (Bija Swaraj) and

food freedom (Anna Swaraj) by defending our rights, and refusing to

cooperate with immoral and unjust laws (Bija Satyagraha). We save and

share our seeds, we boycott corporate seeds, we are creating patent

free, chemical free, genetic engineering free zones of agriculture to

ensure our agriculture is free of corporate monopolies and chemical and

genetic pollution.

Our bread is our freedom. Our freedom will ensure our bread. And each of

us has a duty to exercise bread freedm (Anna Swaraj) -- for the sake of

the earth, for all species, and for ourselves and the generations to

come.

 

 

Biodiversidade Ambiental

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