>> NIRVANEANDO-SE, por Mario S. Mieli

NIRVANEANDO-SE

Por: Mario S. Mieli




A voz interior, que são os olhos-peixes da deusa Minaksi no aquário de-mente da-mente, enquanto escrevia:

Escolha o título. Isso. A falta de título é o Nirvana.
Escolha a inter-pretação e a inter-p[enet]ração das palavras.
Das pá-larvas. Que nesse estágio ainda não formaram os olhos da deusa Minaksi, que são peixes. Escolha. Pois você já foi ex-colhido para fazer esta escolha. No pó da escultura que se esfacela para recriar a poesia em ruínas e a flor que transparece e se manifesta neste sítio arqueo-lógico bio-esférico.
Dos micro-organismos e dos macrocosmos.


Takashi Murakami – Jelly Fish Eyes White

Escolha o sentido. Deturpe o sentido. Sem ter tido isso, você se entope e entorpece. O fluxo de vida não passa mais. Não seja o cliché de si próprio.
Sem ter sido isso, você só terá a ilusão de ser igual a si próprio, o que não existe.

NUNCA SEJA VOCÊ MESMO. NEVER BE YOURSELF. NON ESSERE MAI TE STESSO. NE SOIS JAMAIS TOI MÊME.

Porque é pouco. Conheça-te a Ti mesmo a partir daí. Repita essa frase milhares de bilhões de vezes. Em todas as línguas. Em todas as formas. Nunca seja você mesmo. Forme-se e deforme-se. Nunca seja você mesmo. Porque é pouco. Muito pouco. Se dê espaço. Se dê tempo. O “in” finito quando se recusa o infinito. Sem ligar para a gramática. Se dê sim!!! À vontade. Mas também nunca se mascare como está fazendo agora. Se desmascare de outro modo. Não estou insultando você. Você sou eu em outra esmaecida forma. Vamos, se desmascare. Sozinho. Revele-se a si próprio. Veja o eu em você.


Takashi Murakami – Jelly Fish Eyes Black

Na frente do espelho.
Sinta como você é somente a somatória de fragmentos sublimes e per-versos por-versos cuja compreensão total é apenas uma construção artificiosa de sua cabeça, insignificante para os outros, inexistente para os outros. E o que é pior, para você também, depois que registrou no papel as larvas vivas do pensamento que morrem ao virar palavras. AH! AH! AH! Os outros também não existem. E seus nomes próprios deveriam ser abolidos. Para que possamos recomeçar a chamar as coisas pelo que elas realmente são. Nade como os olhos-peixes no nada-tudo, no nada-brahma, que é o som primordial, a única essência que conta. Desde quando você é você? Me dê uma prova de que você é você mesmo. Tenha pena de si por sua alienação. Tenha orgulho de si por resgatar-se a si próprio. Seja in-diferente. Faça um carinho em si próprio. Se abrace. Sua beleza é irrepetível. Incomparável. Pois você é o mundo todo. Você é todo o mundo. E você não é nada. Nadinha. Absolutamente nada. Menos que qualquer palavra. Mais ínfimo que qualquer bactéria. A bolha de ar que sai da boca do peixe. Por isso mesmo, você é o universo. Com todas as suas galáxias, vias lácteas, buracos negros e anti-matéria. Tudo numa bactéria, num eléctron. Você é também uma flor. Qualquer flor. Alguém já amou você, numa fração de segundo, e sentiu o seu perfume. E você nem viu, nem ficou sabendo. Eu estou sempre em você. Você mesmo já se amou. E aquele dia, que você estava escovando os dentes e parecia haver outra pessoa fitando suas feições, analisando seus gestos, observando você friamente do outro lado do espelho? Não se assuste. Aquele também era você. O seu Ka. Impassível. Estático. Você era o tempo que você mesmo levou para ver-se e perceber-se Para tomar consciência do nada em forma do eu que representa tudo. Sua intuição de si próprio. Sua auto-anunciação. Auto-anuncie-se várias vezes por dia… E você já tinha se tornado outro. A imagem do eu que viaja no tempo… para alguma galáxia distante… do outro lado do espelho. O tempo que leva para a gente ir de si a si é infinito. Ou o espaço que toma consciência de si próprio. E nunca para de tomar consciência de si próprio, por estar sempre em mutação. Mutação muda a ação. Que está vendo o seu nascimento agora. A sua concepção. A de seus pais, avós, bisavós. Você ainda não nasceu. Eles ainda não nasceram. Em infinitos pontos do tempo e do espaço, você e eles são ainda virtuais. Você é sempre virtual. Em outras esferas, o futuro já aconteceu e você simplesmente cumprirá a visão anterior, precedente, de uma vida que é percebida de trás prá frente, desbobinada. Mas não queime o filme!!! Ele é pré-cioso!!! Pré-ciente!!! Pressinta o passado e leia o futuro. Muda ação. Ação muda. Para que o mantra saia mais forte. Mani-festa. Many-festa. Festa. OM MANI PADME AUM. OM MANI FESTA AUM. Ecoe e escoe. Mani-festa-ação. Não fazendo nada. Nade.

Leia o resto desse escrito de retalhos se quiser. Mas você nunca poderá me compreender se não deixar de ser você completamente. AMÉM. A mim. Tente ser eu. Faça uma forcinha. Seja eu. Isso, assim… Compartilhe esse drama e alegria infinitos. E me ajude a deixar de ser eu mesmo também, como você deixou de ser você para poder ser eu e me compreender. Assim, nos com-prenderemos juntos. Não tenha medo. Depois que nos com-prendermos, poderemos nos soltar de novo. Venha comigo naquela Festa em que se dança sobre o fogo. Dançaremos a noite inteira dentro dos corpos de outros eus que são nós também. Afinal, eles precisam de nós para dançar sobre o fogo sem se queimarem. A fé que não queima. Inoxidável. Depois, sejamos cúmplices dessa libertação mútua. Eu volto para a minha morada fora do tempo-espaço e você volta para a sua dentro dele. Para reencontrarmos a ilusão de nossos próprios eus. Sentirei muito sua falta. Saudades do futuro. Você sentirá muito a minha. E procurará entre os eus-chamados-pessoas o que só eu lhe posso dar. Dar que é sempre só fazer sentir. Eu… que você sabe ser você mesmo em outros átomos, em outras atmosferas. E você sentirá amor. Muita alegria e muita tristeza juntas. Um dia nos reencontraremos. Mas não teremos o direito de saber por trás de que ilusões pretendíamos identificar nossos próprios eus. “Se o pensar acaba na morte, quem seria capaz de reconhecer seu próprio renascimento?” dizia Budha. Só a mente do uni-verso. Esse dia já é hoje e sempre foi e sempre será. Amo você por ter compreendido isso. Por você me amar também. Mas… será mesmo? Acho que mais do que me amar, você sente é a minha falta. Falta da Maya que me foi dado criar, por ser matéria. Por eu, como Maya, estar tão dentro de você. Mas também por eu ser tanto você. Por eu, como Dharma, catalizar os ciclos do Samsara sendo tudo e todos nesse momento de com-ciência. E isso é amar. A alma de quem ama não precisa transmigrar depois da morte, pois já in-migrou em vida, amando, e vendo-se refletida nos espelhos circulares de seus olhos, nirvaneando-se. MANO-MAYA-KAYA (mente-visão-corpo). Você gostaria que me eu me materializasse mas… eu somente posso te encarar por infinitesimais frações de segundo, quando, distraído, você sente mas não percebe a minha presença do outro lado do espelho. Na total-idade e falsa-idade do momento. Agora, não sou mais do que uma das pedras-esculturas do templo de Minaksi-Sundaresvara, cujo significado se perdeu na noite do filme fotográfico dos turistas que, vorazes de universo ao inverso, se contentam em revelar a película como prova de que também estiveram lá. Mas quanto mais tentam revelar, mais re-velam a simplicidade com camadas e camadas de Maya. Por isso, não queime o filme. Ele é pré-cioso. Pré-ciente.
E tente recomeçar outra vez. Corte algumas letras. Acrescente outras. Ria. Sorria. Chore de tanto rir. Que é o mesmo que rir de tanto chorar.

Leia o resto, se quiser. Tanto você sempre só lerá a si próprio. E aquela parte do eu que sempre esteve em você. Enquanto isso, a pedra incrustada no templo se perde na concepção do tempo. Mas nunca seja igual a si mesmo e isso é possível só se você se NIRVANEAR, como pó, como peixe, como escultura ou como deusa. Amém.



Amy S.Turner – Fish Eyes

VI VER/DI VER TIR/DI VER TER/VER TER/RE VI VER/RE VER/VER VE/ NIR VAÕ/ NIR VANE AR

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