>> Exercícios espirituais para uma política “iluminada”, por Paolo Bartolini


Exercícios espirituais para uma política “iluminada”



Por: Paolo Bartolini
Fonte: megachip.info de 21 de agosto de 2012

Tradução: Mario S. Mieli

Interrogar a inquietude do próprio tempo, mas fazê-lo a fundo, sem parar nos sinais mais superficiais do desconforto, lá onde as melhores energias rebeldes estão acorrentadas ao egocentrismo dos falsos mestres ou desencadeadas em tempestade de raiva impotente. Essa deveria ser a tarefa preliminar de quem se interessa por política, ainda mais agora, que se delineia na esquina da história uma transformação sem precedentes para a humanidade inteira. Pergunto-me qual mapa poderia nos guiar, ainda que dificilmente, para percorrer um território assim impérvio, agora que as ideologias políticas e religiosas que governaram por milênios as mentes dos seres humanos, parecem ter desmoronado sob o peso das próprias incômodas certezas. Isso quer dizer que, gostemos ou não, não podemos confiar mais em nenhum DOGMA incontrovertível, em nenhuma segurança última que ilumine o caminho e garanta o sucesso de nossa viagem em mar aberto.

E portanto, nesta Transição histórica que poderia conduzir além do domínio material e simbólico do deus dinheiro e de seus funestos sacerdotes, nada me parece mais absurdo, e paradoxalmente “reacionário”, que abandonar as intuições espirituais e utópicas que anunciaram ao homem, no curso de seus eventos profanos, aquela indispensável dimensão sagrada capaz de orientar paixões e esperanças, coagulando visões e alternativas possíveis ao ‘status quo’.

A questão, bem diferente, parece-me hoje aquela de movermos uma nova e inédita batalha no campo da reinterpretação das mensagens espirituais, com a finalidade de despertar – ao interior de cada uma das tradições confessionais ou leigas que sejam – o desejo de reavivar o próprio mito compartilhado, abrindo-o finalmente àquele dos outros, desde que se dê, como premissa para o diálogo, a disponibilidade de trabalhar juntos para construir um pacto de paz e de respeito recíproco, que tenha recaídas nos aspectos social, econômico e ecológico.

Esse salto evolutivo, que diz respeito sobretudo à nossa consciência e se dirige a todos, pessoas de fé ou não, e se reconheça profundamente em um horizonte de valores que transcende os pequenos egoísmos de todos os dias, tem todavia necessidade de uma diferente percepção do tempo.

O filósofo e teólogo Raimon Panikkar – mestre do diálogo inter-religioso e falecido alguns anos atrás – gostava de repetir, sobretudo quando o interpelavam sobre temas políticos que ele apreciava particularmente, que a sua esperança não estava colocada no futuro, mas no invisível. Una expressão assim enigmática se presta às fáceis críticas de quem, apelando a um materialismo desencantado e às cruas exigências da sobrevivência quotidiana, lê na mesma um convite a negligenciar o futuro glorioso da revolução para perseguir tranquilizadores aterrissagem metafísicas. Mas é aqui que está o equívoco, que assinala além de tudo o desolador empobrecimento psicológico e cultural de boa parte das forças chamadas “antissistema”.

Efetivamente, a natureza do invisível, ou seja, a relação com o absoluto, com o tempo meta-histórico ao qual se acede só mediante o paciente trabalho da contemplação, não deve ser confundido com um além que supera o tempo histórico e o tempo da ação, com a pretensão de diminuir a ambos e de privá-los da dignidade ontológica. Pelo contrário: realidade histórica e Realidade primeira (seja como quisermos chamar o Princípio de todas as coisas e que é o pano de fundo perpétuo para a infinita metamorfose das formas e dos eventos cósmicos) se tocam e se interpenetram perfeitamente no instante presente, neste exato momento, no realíssimo “aqui e agora” ao qual com frequência não prestamos a necessária atenção.

A revolução, em outras palavras, já está sendo executada e não poderá nunca ser mais realizada que agora.

À luz dessas breves considerações, se precisássemos sugerir uma prática de consciência para todos aqueles que dedicam energias e paixão à vida política, aconselharíamos, sem dúvida, praticar a cada dia alguns momentos de recolhimento, de atenção à respiração e ao instante presente.

Na encruzilhada entre história e eternidade pode desabrochar a sensação – a ser traduzida com palavras simples e isentas de ênfase – de ter realizado hoje também a nossa grande revolução, de querer levá-la adiante, não para que se realize num outro tempo e num outro lugar, mas de forma que se repita a cada dia como capacidade de dar um valor sagrado àquilo que fizemos, estamos fazendo e faremos para melhorar este mundo.

Vendo bem, efetivamente, em cada gesto de solidariedade e de empenho concreto pelos outros podemos perceber a epifania daquele deus de justiça e de amor que, finalmente livre de vazias esperas escatológicas, palpita escondido no fundo e no íntimo de nossa carne e que só pede de ser escutado.

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