>> Sair do labirinto dos espelhos e cair de volta na real(idade) – a humanidade “desligada” na era da internet, por Sonia Savioli


Sair do labirinto dos espelhos e cair de volta na real(idade) – a humanidade “desligada” na era da internet

Por: Sonia Savioli
Fonte: ilcambiamento de 7 de agosto de 2012
Tradução: Mario S. Mieli




Hoje vivemos quase sempre em ambientes artificiais e em isolamento, comunicando pouco e mal com quem habita nossos espaços, passando muitas horas na frente da tela de um computador, todos ligados mas, ao mesmo tempo, “desligados”. Mas a realidade é outra; como voltar para ela?

Quando se começou a falar de organismos geneticamente modificados e, em consequência, dos torpes eventos relacionados com a multinacional Monsanto, perguntei-me quem seriam as pessoas que poderiam trabalhar para uma empresa dessas e o que elas sentiam, sabendo que elas também, ainda que mais ou menos involuntariamente, fossem responsáveis. Não pensava nos diretores: quanto a eles não era preciso se fazer tantas perguntas. Pensava nos faxineiros, empregados, operários.

Na época em que eu trabalhava na Câmara do Trabalho de Milão, tive que fazer uma matéria fotográfica na fábrica da empresa Agusta. Aquela dos helicópteros de guerra. Era uma fábrica de engenharia, obviamente. Fui acompanhada por um sindicalista da FIOM e recebida cordialmente por operários e técnicos que me fizeram visitar os departamentos, explicando-me suas funções e tarefas, facilitando o meu trabalho. Eram companheiros, lutavam pelos direitos dos operários e por uma maior justiça social.

Construíam máquinas de guerra para um país “dominador”. Um país capitalista e imperialista, embora de “segunda linha”, e que demonstrou nesses anos querer usá-las para sujeitar outros povos, outros trabalhadores. E “sujeitar” com as armas significa matar, mutilar, destruir.

Apesar disso, operários, sindicalistas, companheiros continuavam trabalhando para a Agusta. Como para a Monsanto, a Coca Coca, a McDonald’s…

General, seu tanque é uma máquina poderosa,
aplaina um bosque e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito: precisa de um motorista.

General, seu bombardeiro é poderoso.
Voa mais rápido que uma tempestade e leva mais de um elefante.
Mas tem um defeito: precisa de um mecânico.

General, o homem faz de tudo.
Pode voar e pode matar. Mas tem um defeito: pode pensar.


Antes, eu gostava dessa poesia de Bertolt Brecht, ela me dava esperança. Nos últimos anos, porém, quando tropeço nela, penso com incômodo “caro poeta, desta vez você não matou a charada”.

Vi num programa na tevê operárias que jogavam pintinhos vivos no triturador de carne (N.do T.: ver Granjas da perversidade, filme “Farm to Fridge” http://imediata.org/?p=2335 ]: mulheres e mães de família, gente que, por instinto e cultura, cria “pintinhos”, cuida deles, os protege, os mantêm seguros. Vi, no meu trabalho de fotógrafa, mulheres que amarravam ratos supinos e com as patas abertas em mesas de madeira, como crucifixos, para injetar-lhes substâncias químicas; técnicos que injetavam células tumorais e que, em suas casas, tinham um cachorrinho que amavam como se fosse outra pessoa da família.



Por outro lado, não vemos todos os dias, pais amorosos que enchem os próprios filhos de venenos, sócios do WWF com uma Land Rover em Milão, amantes de animais de casacão com colarinho de pelo de cachorro?

Por quê? Por quê cresceu assim nos comportamentos humanos a ignorância irresponsável, o “desligamento”, a contradição?

Talvez porque os seres humanos da atual sociedade industrial não têm quase mais nenhum contato com a realidade da vida, a não ser através de fragmentos. Por isso não sou capaz de avaliar as consequências e nem as causas dos próprios comportamentos.

A realidade da vida é o ambiente natural, terras e águas, árvores e animais, e é o ambiente social, os outros seres humanos que fazem parte da família, da comunidade, da humanidade.

Hoje vivemos quase sempre em ambientes artificiais e quase não comunicamos nem mesmo com os nossos parentes: com eles nos reunimos em volta da moderna lareira, a televisão. Sempre que cada um não esteja no próprio quarto em frente ao próprio computador.
Uma sociedade de domínio e competição é uma sociedade de isolamento, alienação, divisão. E especialização.

Vivemos no artifício e na solidão.

Vivemos cada vez menos ao ar livre. Até o camponês “intensivo” trabalha, na maioria das vezes com e em máquinas e, terminado o tempo de trabalho, se entucha na frente do televisor ou leva a mulher ao hipermercado. Os outros, os “cidadãos”, vivem dentro do automóvel, no televisor, na internet, dentro das vitrines das lojas, na academia; e isso vale ainda mais, tragicamente, para as crianças.
Não temos nenhuma relação real nem mesmo com os ambientes onde passamos as férias ou os fins de semana, não os conhecemos, não os compreendemos, não sofremos as consequências dos estragos que neles provocamos.

E o motivo porque os escolhemos, que com frequência é só a publicidade paga em revistas especializadas ou em programas de televisão especializados, com igual frequência é também a competição pelas férias que mais estão na moda, o motivo nem o entendemos: parece-nos uma escolha livre e “natural”.

Assim é com tudo. O diretor de empresa vampiresco e o operário que fabrica as minas antipessoais, o vivisseccionador e o transportador de lixo tóxico para os aterros da máfia não “veem” as consequências, não são capazes de se identificarem, de imaginar, de ter comiseração.

É difícil, quando se vive em um apartamento de um condomínio, associar aquilo que acaba nos tubos de descarga da própria casa com o câncer de um membro da própria família. Assim como, quando se compra alimentos no supermercado, é difícil relacioná-los com os cruéis e infinitos sofrimentos dos animais nos laboratórios químicos e nas unidades de criação intensivas.

Poderíamos dar infinitos exemplos do “desligamento” humano, da alienação e desresponsabilização na adiantada sociedade industrial.

Mas hoje há um novo instrumento de separação da realidade e de isolamento do indivíduo: a internet.

A internet nos “tranca por dentro”. Iludindo-nos de nos abrir espaços imensos.

A internet é como o labirinto dos espelhos: nos dá a impressão de uma vastidão e de uma infinita possibilidade de informação e comunicação. Ao contrário, como no labirinto dos espelhos, trata-se apenas do reflexo de nós mesmos e do ambiente no qual vivemos; naquele reflexo continuamos a caminhar repercorrendo os nossos passos, sem encontrar uma saída.

Comunicamos com pessoas que já têm, mais ou menos, as nossas mesmas ideias e cultura, nos iludimos, assim, de “ter feito a nossa parte”, de ter dado impulso a um movimento ou a uma batalha. Mas não é assim.

E mesmo quando isso seja em parte verdade, mesmo quando a mobilização pela internet leva para a rua milhares de pessoas, trata-se de uma batalha que “viaja no túnel”: não atinge aqueles que não usam a internet ou não procuram na internet aquilo que nós estamos procurando; não cresce, não muda os modos de pensar e de agir de quem não faz parte de tal movimento, não coloca em confronto.

Como numa panelinha, falamos entre nós. Desabafamos.

Confirmamos nossas dúvidas sobre as notícias “oficiais” procurando uma informação alternativa ao contrário daqueles que não têm qualquer dúvidas sobre as informações fornecidas pelos donos do vapor, que não procurarão e não acharão na miríade de informações que, também na Internet, os donos do vapor têm o tempo e a vontade de acumular.

E nós, depois que achamos aquelas informações? No melhor dos casos, as enviamos à nossa “mailing list”. Ou, num esforço supremo, organizaremos um encontro, uma conferência, um debate sobre aquele argumento, avisando aqueles que constam da nossa mailing list ou aqueles com quem nos “comunicamos” via facebook. Atirando contra os nossos reflexos.

E não levamos nada, nem nós mesmos, para aquela realidade que está fora do labirinto.

Mas não seria difícil.

Levo comigo o mágico turquesa e me escondo sob as asas da águia do amanhecer, entre as plumas do pássaro do céu. E eis que meus inimigos não me veem. Eles creem ter um remédio poderoso mas eis que, eu me vou entre eles, não visto e mortífero.
[Canto tradicional dos Navajo]

É como um daqueles pequenos encantamentos dos contos de fada, basta a palavra certa ou o certo olhar para voltar à realidade. Basta caminhar sobre uma estrada no campo ou mesmo num parque urbano, cultivar uma horta ou até algumas plantas num balcão, preparar o pão ou outros alimentos, costurar uma roupa, por exemplo, para recomeçar a tomar contato com a realidade material da vida.



E o “remédio poderoso”, que nos torna invisíveis aos inimigos porque não mais isolados, porque parte de uma comunidade em luta por uma mudança radical?

Bastaria colocar um folheto nas caixas postais de nossos vizinhos para dar uma informação “alternativa” ou convidá-los para um debate; fazer uma reunião de condomínio em que não se fale do condomínio, mas da reciclagem do lixo e do sistema capitalístico-mafioso que está por trás dos incineradores; fazer um protesto sentados no mercado, na frente de uma fábrica ou de uma escola para informar e discutir sobre as despesas militares, sobre o que e como é necessário produzir.

Bastaria usar a internet só como um ponto de partida, em pequenas doses, mantendo uma saudável desconfiança para com um instrumento que, às vezes, é útil, mas que permanece ambíguo, e usar a presença física, a palavra, o encontro, para sair do labirinto. Para retomar contato com a realidade humana e, como é inevitável com qualquer contato, mudá-la e mudar.

Se conseguíssemos retornar à realidade, e assim, fazer retornar à realidade outros seres humanos, talvez o poeta ainda possa demonstrar sua própria capacidade de (pre)vidência de longo alcance.

Labirinto dos Espelhos ( Projeto 3D )

l’annee derniere a marienbad (sculpture scene – english subtitles)

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